MATEI PORQUE ODEIO GAY
Nosso Brasil, lastimavelmente, é um país
extremamente contraditório na maneira como trata
os homossexuais. Seu lado cor de rosa é fantástico e
promissor: realizamos recentemente a maior parada
gay do mundo, com mais de um milhão de pessoas
na Avenida Paulista! Impressionantes também têm
sido algumas conquistas do Movimento Homossexual
Brasileiro (MHB), a começar pelo significativo
crescimento nos últimos anos do próprio movimento,
hoje contando com mais de uma centena de grupos
de gays, lésbicas, travestis e transexuais espalhados
praticamente por todas as capitais brasileiras e em
diversas cidades do interior, do Amazonas ao Rio
Grande do Sul. Passam de oitenta as cidades
brasileiras onde a Lei Orgânica Municipal e uma
dezena de Leis Estaduais proíbem, e algumas
multam, a discriminação baseada na “orientação
sexual”. Em 2002, pela primeira vez na história
pátria, um Presidente da República ousou pronunciar
em cerimônia pública, a palavra “homossexual”,
declarando inclusive ser favorável à união civil entre
pessoas do mesmo sexo. Aceitou ser fotografado
portando a bandeira do arco-íris!
A grande contradição é que,
concomitantemente a estas cruciais conquistas,
persiste em todas as regiões do Brasil, violenta
intolerância antihomossexual, cientificamente
chamada de “homofobia”. Este ódio explícito, cruel,
persistente e generalizado, vai do insulto e ameaça,
à graves episódios de discriminação, constatados em
todos os segmentos e esferas sociais. Incluem
violência física, golpes e tortura, culminando em
violentíssimos e pavorosos assassinatos – via de
regra cometidos com revoltantes requintes de
crueldade, abrangendo elevado número de golpes e
tiros, o uso de múltiplos instrumentos e tortura
prévia. Crimes de ódio em que a homossexualidade
da vítima motivou a agressão e pesou
definitivamente no modus operandi do homicida.
Desde 1980 que o Grupo Gay da Bahia, a
mais antiga ONG defensora dos direitos humanos dos
homossexuais, realiza a coleta sistemática de
informações sobre o homicídio de gays, travestis
lésbicas em nosso país. Neste período, 1980-2002, documentamos o chocante número de 2.218
assassinatos de homossexuais – cifra certamente
muito inferior à realidade, posto que inexistindo no
Brasil estatísticas oficiais relativas a crimes de ódios,
temos de nos valer de notícias publicadas na
imprensa, pesquisa na internet e informações
enviadas pelos próprios militantes homossexuais, a
fim de reconstituir este lado sombrio que ameaça
gravemente a sobrevivência de mais de 10% de
nossa população representada pelos homossexuais
de ambos os sexos. Desde 1995 passamos a divulgar,
além da análise anual destes “HOMOcídios”, também
um resumo dos episódios mais graves de violação
dos direitos humanos de travestis, transexuais,
lésbicas e gays, incluindo variegadas manifestações
de homofobia: na mídia, nas repartições públicas,
dentro do lar, nos púlpitos e tribunas, nos shoppings,
na rua. Nossos dados, apesar de sua assumida
incompletude, têm sido anualmente utilizados pelo
próprio State Department do Governo NorteAmericano, e mais recentemente, pelo Relatório
Anual da Justiça Global, além de constar em nossos
principais sites de Direitos Humanos.
Conseguimos reunir em 2002 informação
sobre 126 assassinatos de homossexuais e um total
de 166 de violações de direitos humanos. Números
reconhecidamente inferiores à realidade, convém
insistir. Apenas a ponta de um iceberg de sangue e
ódio.
(Autor: Luiz Mott Marcelo Cerqueira. Trecho do livro
“Matei porque odeio gay”. Bahia, 2003).