Questões de Concurso Público Sinesp 2015 para Gerente de Projetos em Tecnologia da Informação

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Q543286 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

O texto, ao longo de seu desenvolvimento, apresenta um campo semântico principal bem demarcado. O fragmento que se afasta de tal campo semântico é:
Alternativas
Q543287 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

O trecho águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus...” poderia ser reescrito, com manutenção de seu sentido básico em todas as opções abaixo, EXCETO:
Alternativas
Q543288 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

Considerando a passagem em destaque em “Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo  e  evocando  AS  ÁGUAS  QUE  PASSARAM PELA PONTE DA MEMÓRIA.", é correto dizer que há nela:
Alternativas
Q543289 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

Apresenta-se como construção com evidentes marcas de oralidade, fugindo, portanto, a uma escrita formal:
Alternativas
Q543290 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

Encontra-se crítica aos valores da sociedade atual no fragmento:
Alternativas
Q543291 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

Na passagem “Se Joseph Conrad traduziu a guerra com ‘o horror, o horror, o horror’, chegou a vez de resumir o nosso tempo com ‘a seca, a seca, a seca'...", o valor do SE é de :
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Q543292 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

São acentuados pela mesma razão:
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Q543293 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

No trecho “Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo...”, verifica-se:
Alternativas
Q543294 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

No trecho “Se não DESSE certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São P edro...” , conjugando-se o verbo em destaque no futuro do subjuntivo, obtém-se, em língua padrão:
Alternativas
Q543295 Português

                                                     Chove   chuva


      Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o  meu amor,

      Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.

      De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.

Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

[...]

      O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?

A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com  “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.

      2015 promete ser terrível, mas há quem ache bom negócio refletir sobre os valores básicos da sobrevivência, o que o homem está fazendo com o meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o cheiro da terra molhada depois do toró de fim de tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota, celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.

      Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.


                              (SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)

Considerando as passagens “Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha...” e “... a letra da música se refere à água que passarinho não bebe.”, pode-se dizer, sobre o sinal indicativo de crase, que é:
Alternativas
Respostas
1: B
2: B
3: B
4: C
5: E
6: D
7: A
8: E
9: C
10: C