Como seremos amanhã?
Estar aberto às novidades é estar vivo.
Fechar-se a elas é morrer estando vivo. Um certo
equilíbrio entre as duas atitudes ajuda a nem ser
antiquado demais nem ser superavançadinho,
correndo o perigo de confusões ou ridículo.
Sempre me fascinaram as mudanças - às
vezes avanço, às vezes retorno à caverna. Hoje
andam incrivelmente rápidas, atingindo usos e
costumes, ciência e tecnologia, com reflexos nas
mais sofisticadas e nas menores coisas com que
lidamos. Nossa visão de mundo se transforma, mas
penso que não no mesmo ritmo; então, de vez em
quando nos pegamos dizendo, como nossas mães
ou avós tanto tempo atrás: “Nossa! Como tudo
mudou!”
Nos usos e costumes a coisa é séria e nos
afeta a todos: crianças muito precocemente
sexualizadas pela moda, pela televisão, muitas vezes
por mães alienadas. [...]
Na saúde, acho que melhorou. Sou de uma
infância sem antibióticos. A gente sobrevivia sob os
cuidados de mãe, pai, avó, médico de família, aquele
que atendia do parto à cirurgia mais complexa para
aqueles dias. Dieta, que hoje se tornou obsessão, era
impensável, sobretudo para crianças, e eu pré-
adolescente gordinha, não podia nem falar em
“regime” que minha mãe arrancava os cabelos e o
médico sacudia a cabeça: “Nem pensar”.
Em breve estaremos menos doentes: célula-tronco
e chips vão nos consertar de imediato, ou
evitar os males. Teremos de descobrir o que fazer
com tanto tempo de vida a mais que nos será
concedido... [...]
Quem sabe nos mataremos menos, se as
drogas forem controladas e a miséria extinta. Não
creio em igualdade, mas em dignidade para todos.
Talvez haja menos guerras, porque de alguma forma
seremos menos violentos.
[...]
As crianças terão outras memórias, outras
brincadeiras, outras alegrias; os adultos, novas
sensações e possibilidades. Mas as emoções
humanas, estas eu penso que vão demorar a mudar.
Todos vão continuar querendo mais ou menos o
mesmo: afeto, presença, sentido para a vida, alegria.
Desta, por mais modernos, avançados, biônicos,
quânticos, incríveis, não podemos esquecer. Ou não
valerá a pena nem um só ano a mais, saúde a mais,
brinquedinhos a mais. Seremos uns robôs cinzentos
e sem graça!
Lya Luft, Veja. São Paulo, 2 de março, 2011, p.24