Questões de Concurso Público Prefeitura de Anápolis - GO 2016 para Nutricionista

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Q744684 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


A delimitação dos espaços da narrativa é muito importante. Nesse texto, esses espaços são percebidos pelo(a):
Alternativas
Q744685 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Considere as seguintes afirmativas:

I. É possível identificar a presença de um personagem-narrador, que relata memórias de sua infância.

II. O garoto demonstra muito afeto à professora e admira sua capacidade de ler cada aluno.

III. O título aponta a interferência da passagem do tempo na narrativa de memórias.


Está correto o que se afirma em:

Alternativas
Q744686 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


O narrador, além de contar sua história, posiciona-se em relação a ela, emitindo sua maneira de apreciar o assunto.

Um fragmento em que se confirma a afirmação é:

Alternativas
Q744687 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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peçonhenta: venenosa 


“Então eu andava devagarinho, pisando certo, aprumado”

Este trecho estabelece com o período anterior sentido de:

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Q744688 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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A expressão destacada em “LIA A GENTE como se fosse um livro.” é um exemplo de um recurso expressivo, denominado:
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O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Releia: “A escola, ONDE ME MATRICULOU TAMBÉM NA CAIXA ESCOLAR – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça.” A oração em destaque:
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O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Sintaticamente, o termo destacado está corretamente analisado em:
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O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


A palavra destacada em “vistoriar o ATRÁS da casa buscando novas surpresas e outros convites”, no contexto em que foi produzida, sofreu um processo de formação de palavras, no qual não há qualquer alteração formal aparente, denominado derivação:
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O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


A forma dos verbos pode indicar a duração prolongada de acontecimentos, que exprime o fato habitual, rotineiro como se observa em muitos exemplos no texto. Um desses exemplos encontra-se em:
Alternativas
Q744693 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


“Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, LÁ.”. A palavra destacada, no contexto, caracteriza-se pela:
Alternativas
Q744694 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Reescrevendo apenas o que se destacou no fragmento “Eu CARREGAVA comigo um chocalho de cascavel.” na voz passiva analítica sem alterar o sentido, ter-se-ia:
Alternativas
Q744695 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Tendo em vista o enunciado “Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.”, analise as afirmativas a seguir.

I. O deslocamento do termo CUIDADOSAS para antes de PALAVRAS não provocaria alteração morfológica nem semântica.

II. Poderia ser colocada uma vírgula antes e outra depois de ASSIM sem prejuízo para o sentido da frase.

III. A forma verbal DIZIA é impessoal, dentro do contexto.


Está(ão) correta(s) somente a(s) afirmativa(s):

Alternativas
Q744696 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

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Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


“Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava.” O uso dos dois-pontos no fragmento se justifica por introduzir uma:
Alternativas
Q744697 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


A conotação é um componente suplementar de significado por meio do qual ecoam as experiências culturais da comunidade, respondendo pelo efeito de sentido causado pela possível associação entre uma palavra e uma experiência cultural que matiza sua significação. O segmento transcrito do texto que contraria essa definição é:
Alternativas
Q744698 Português

O tempo amarrota a lembrança e subverte a ordem.

  Parecia muito pequeno o ideal de meu pai, naquele tempo, lá. A escola, onde me matriculou também na caixa escolar – para ter direito a uniforme e merenda –, devia me ensinar a ler, escrever e a fazer conta de cabeça. O resto, dizia ele, é só ter gratidão, e isso se aprende copiando exemplos. 

  Difícil não conferir razão a meu pai em seus momentos de anjo. Ele pendia a cabeça para a esquerda, como se escutando o coração, e falava sem labirintos. Dizia frases claras, acordando sorrisos e caminhos. Parecia querer argumentar sem ele mesmo ter certeza, tornando assim as palavras cuidadosas.

  Um pesar estrangeiro andou atordoando meu pouco entendimento. Ir para a escola era abandonar as brincadeiras sob a sombra antiga da mangueira; era renunciar o debaixo da mesa resmungando mentiras com o silêncio; era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites. 

Contrapondo-se a essas perdas, havia a vontade de desamarrar os nós, entrar em acordo com o desconhecido, abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora, diminuir o tamanho do mistério, abrir portas para receber novas lições, destramelar as janelas e espiar mais longe. Tudo isso me encantava.

  Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo penteado, caderno caprichado dentro do embornal, uniforme lavado – calça azul-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa, goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.

  A professora, quando os alunos ainda na fila e do lado de fora da sala, lia a gente como se fosse um livro. E mãe nenhuma gostaria de ser chamada de desmazelada pela mulher mais respeitada do lugar. [...] 

  Eu carregava comigo um chocalho de cascavel amarrado em um cordão encardido, preso no pescoço. Simpatia de minha mãe para eu não urinar na cama. A gola engomada de minha camisa não escondia essa sentença peçonhenta. Eu vivia como a canção: “camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”. [...] 

  Eu corria pelos matos cheio de carrapichos e carrapatos, saltando córrego, me equilibrando em pinguelas, descobrindo frutas maduras, suspeitando ninhos e passarinhos. Trazia, ainda, uma vergonha de todo mundo, mas deixar sumir na “campina” o chocalho, simpatia de mãe, seria brincar com sua fé. Então eu andava devagarinho, pisando certo,aprumado e manso, para evitar o chiquechique do chocalho. Cascavel anda em dupla, me diziam, e o chocalho serve para chamar o outro.

[...]

  Vi meu pai cochichar com minha mãe, e de início enredei ser carinho, como o de Dr. Júlio Leitão e Dona Pequenina. Abri bem os ouvidos, pois os olhos não dava. Ele dizia ser o Dr. Jair, seu patrão, como uma cobra: mordia e soprava. Eu balançava a cabeça, com força, de vez em quando, acordando a simpatia de minha mãe. Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra mordendo e soprando, se frio ou quente seu bafo.

  Dr. Jair visitou minha mãe, uma noite [...]. Não saí de perto dele nem tirei os olhos de sua boca, esperando o homem morder e soprar. Ele falou foi muito de riqueza e de como contava com o trabalho de meu pai, seu melhor empregado, capaz de carregar água em peneira. Perdi meu tempo.

BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.Ler, escrever e fazer conta de cabeça.São Paulo: Global, 2004.

Vocabulário

destramelar: destrancar

embornal: sacola

peçonhenta: venenosa 


Observe os fragmentos.

1. “era não mais vistoriar o atrás da casa buscando novas surpresas e outros convites.”

2. “Vontade de chamar outra cascavel só para ver uma cobra”

Sobre eles leia as afirmações.

I. OUTROS e OUTRA são pronomes adjetivos indefinidos.

II. A forma verbal ERA é, conforme a regência, transitivo direto.

III. SÓ pode ser substituído por APENAS.


Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas
Q744699 História e Geografia de Estados e Municípios
O Porto Seco Centro-Oeste ou EADI – Estação Aduaneira Interior, se configura como um terminal alfandegário com o objetivo de prestar serviços na área de movimentação e armazenamento de cargas ainda sob o controle aduaneiro. O Porto Seco Centro-Oeste, localizado na cidade de Anápolis, foi inaugurado na segunda metade do século XX, na seguinte década:
Alternativas
Q744700 História e Geografia de Estados e Municípios
A história da formação da cidade de Anápolis se confunde com a de, pelo menos, um município próximo. Ainda no século XIX, a vila que originaria a cidade de Anápolis se desmembrou de Meia Ponte, que atualmente é denominada:
Alternativas
Q744701 História e Geografia de Estados e Municípios
O relevo do município de Anápolis, tal como a região circundante, possibilitam que a hidrografia da cidade possua a seguinte característica:
Alternativas
Q744702 História e Geografia de Estados e Municípios
Anápolis possui uma localização estratégica para o estado de Goiás. Localizada entre Goiânia e Brasília, é caminho obrigatório em muitas viagens estaduais. Entre as rodovias a seguir, assinale a rodovia federal que permite a conexão entre Anápolis e o Distrito Federal (Brasília).
Alternativas
Q744703 História e Geografia de Estados e Municípios
A cidade de Anápolis possui uma grande força de atração de mão de obra, proveniente de diferentes lugares do país e do mundo. Segundo dados do IBGE a partir do último grande Censo demográfico (2010), Anápolis possui número de residentes provenientes de outras cidades superior aos 300 mil. A maior quantidade dessa população, residente de Anápolis mas que não residia na cidade anteriormente ao ano de 2005, é proveniente da seguinte região brasileira:
Alternativas
Respostas
1: A
2: B
3: C
4: D
5: B
6: A
7: C
8: E
9: D
10: C
11: B
12: A
13: E
14: C
15: B
16: E
17: A
18: B
19: E
20: X