A questão refere-se ao texto reproduzido a seguir.
Além do normal
Hélio Schwartsman
O ser humano é uma espécie engenhosa, e isso pode ser um problema. Nossa tendência de procurar
soluções cada vez mais eficientes para problemas nos rendeu bons frutos. Tente imaginar como seria a vida
sem água corrente ou transporte mecanizado. Ainda que você possa nutrir certa nostalgia por um passado
idealizado, sem a parafernália tecnológica que acumulamos ao longo especialmente dos dois últimos séculos,
nós seríamos muito mais pobres e menos saudáveis. Na verdade, bilhões de nós nem existiriam.
Há algumas situações, porém, em que a eficiência pode fazer mal. Refiro-me aqui especificamente ao
que a literatura chama de estímulos supernormais, que são aqueles que produzem uma resposta mais
acentuada (e nociva) do que o previsto pela evolução. Nossos corpos lidavam bem com açúcares e gorduras
quando eles eram difíceis de encontrar. Mas, depois que aprendemos a fazer pizzas e bolos, a obesidade se
tornou um problema de saúde pública.
A mesma coisa com as drogas. O chá de coca dificilmente causa dependência. Mas, depois que
descobrimos como isolar a cocaína, ficamos com um produto muito mais perigoso. Outro exemplo? A
maconha da minha juventude tinha menos de 2% de THC; hoje, há cultivares com mais de 25%. É outra
droga, e registramos muito mais casos de psicose desencadeada por Cannabis.
O excesso de eficiência agora atinge as redes sociais. Elas são tão boas em mobilizar o sistema de
recompensas do cérebro e sequestrar a atenção que isso levou autoridades americanas a afirmarem que as
redes sociais são um perigo para as crianças. E é claro que as coisas não vão parar por aí. Em breve,
poderemos chegar à publicidade virtualmente irresistível. E por que não a propaganda política 100% eficaz?
Apesar de pintar um quadro meio sombrio, não sou dado a pânicos morais. Acho que, se estivermos
atentos aos riscos, seremos capazes de desenvolver defesas legais e comportamentais contra eles.
Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/>. Acesso em: 21 jun. 2023. [Texto adaptado]