O chão está ficando mais quente – e pode danificar as construções acima
Caio César Pereira
Há mais ou menos dois meses, uma notícia deixou as pessoas em alerta: caso você queira ter a
chance de ver o Homem-aranha se pendurando pelos prédios de Nova York, é melhor se apressar: a cidade
está afundando. Agora, uma pesquisa publicada na Nature revelou algo ainda pior: a grande maçã pode não
ser a única. O aquecimento global pode estar esquentando demais o solo, o que pode colocar em risco,
literalmente, tudo que está acima dele.
Utilizando um modelo em 3D, um engenheiro da Universidade Northwestern, Alessandro Rotta Loria,
simulou a variação de temperatura no subsolo na cidade de Chicago. A análise foi feita no distrito de Chicago
Loop, famoso centro financeiro da cidade, simulando um período que vai desde a construção dos túneis de
metrô na cidade, em 1951, até o não tão longínquo ano de 2051.
Os resultados mostraram uma variação de 1 a 5 ºC por toda a extensão do distrito, com um aumento
de temperatura de mais ou menos 0,14 ºC por ano. Pode parecer pouco, mas o aumento a longo prazo pode
ser um risco para as construções acima. As construções mais modernas, geralmente, já são feitas para
suportar essas variações, mas outras mais antigas podem não ter a mesma sorte. “É muito provável que a
mudança climática subterrânea já tenha causado rachaduras e afundamentos excessivos de fundações que
não associamos a esse fenômeno porque não estávamos cientes dele”, diz Rota Loria.
Esse aumento de temperatura no subsolo não é algo novo e até tem nome: ilhas de calor
subterrâneas. Ilha de calor é aquele fenômeno climático que acontece nos centros urbanos, onde a
temperatura costuma ser maior do que nas zonas rurais. As ilhas de calor subterrâneas funcionam da mesma
forma, mas debaixo da terra. O solo (e até mesmo as águas subterrâneas) de grandes centros urbanos como
Nova York, Londres, Berlim ou Istambul são mais quentes do que as regiões mais afastadas.
Às vezes essa variação pode acontecer dentro do próprio perímetro urbano. A pesquisa mostrou que
a região norte de Chicago Loop, onde há mais prédios, teve um solo mais quente quando comparado com o
da parte sul. Como o calor também é liberado pelo metrô e outras tubulações, o material de construção é feito
de forma a absorver esse excedente. O problema é que certos materiais, como argila com grãos finos
(presentes no subsolo de Chicago, por exemplo), são mais sensíveis na presença de água e calor.
Apesar de isso tudo parecer um tanto quanto apocalíptico, Rotta Loria tranquiliza um pouco: “Embora
esse fenômeno não seja necessariamente perigoso para a segurança das pessoas, ele afetará as operações
normais do dia a dia dos sistemas de fundação e infraestrutura civil em geral.” Isso significa que, além de ficar
de olho nas construções antigas, é preciso também se atentar no tipo de material utilizado nas novas
construções. Isso porque, apesar de não representar um perigo direto para as pessoas, o aumento da
temperatura pode afetar a estética, o funcionamento e a durabilidade das estruturas.
Mas nem tudo é tragédia. Algumas cidades já passaram a adotar formas de reaproveitar esse calor.
Paris, por exemplo, passou a fazer a chamada reciclagem de calor. Aqui, você pega o calor produzido por
metrôs, trens e afins, e o converte em energia que pode ser utilizada para aquecer prédios e apartamentos.
Claro que está longe do ideal, mas, visto que as mudanças climáticas estão esquentando a nossa chapa cada
vez mais, desenvolver métodos para reutilizar esse calor pode nos ajudar a suportar um pouco mais as
inerentes consequências.
Disponível em: <https://super.abril.com.br/>. Acesso em 02 jan. 2024. [Adaptado]