Você já se imaginou vivendo 10, 20 ou 50 anos com a mesma pessoa? Sentindo
sempre o mesmo prazer em sua companhia, o mesmo conforto em seus braços? Se a
perspectiva parece interessante, agradeça ao seu cérebro (e se não agrada, a culpa é
dele, também). De certa forma, é curioso que laços afetivos fortes, como os amorosos,
sejam tão importantes para nossa espécie. Tecnicamente, viver em sociedade, ou mesmo
em pares, não é obrigatório para a sobrevivência de nenhum animal. Observem-se tantos
mamíferos, aves e outros bichos que procuram um par somente para o acasalamento e,
imediatamente depois, segue cada um o seu caminho.
Se gostamos de formar pares a ponto de investir boa parte de nossa energia,
tempo e esforços cognitivos em convencer um belo exemplar do sexo interessante de que
nós somos a pessoa mais sensacional e desejável na face da Terra, é porque o sistema
cerebral humano, como o de outros animais sociais, é capaz de atribuir um valor positivo
à companhia alheia. Isso é função do sistema de recompensa, conjunto de estruturas no
centro do cérebro especializadas em detectar quando algo interessante acontece,
premiar-nos com uma sensação física inconfundível de prazer e satisfação e ainda
associar esse prazer com o que levou a ele – o que pode ser uma ação, uma situação,
um objeto ou... alguém.
À medida que o prazer se repete na companhia dessa pessoa, o valor positivo que
atribuímos a ela é reforçado, enquanto torcemos para que o mesmo aconteça no cérebro
dela, associando um valor cada vez mais positivo à nossa própria companhia, claro. É o
que fazemos no período de namoro, quando conversas interessantes, passeios
agradáveis, boa música, boa comida e carinho oferecem prazeres que vão sendo
associados à companhia do outro. Se “rolar” sexo, melhor ainda: o prazer do orgasmo
funciona como uma cola extraordinária para o sistema de recompensa, que atribui
(corretamente!) a satisfação incrível àquela pessoa específica (mas é verdade que isso
não funciona tão bem em alguns cérebros...).
Com a repetição, o sistema de recompensa vai aprendendo a ficar ativado não
apenas em resposta, mas também em antecipação à presença daquela pessoa. Esse
prazer antecipado é a motivação, que nos dá forças para alterar compromissos, abrir
espaço na agenda e ficar acordado madrugada adentro. Essa é a paixão, estado de
motivação enorme em que se faz tudo em nome de mais tempo na presença do ser
amado.
Quando vira amor? Essa questão é complicada, mas existe ao menos uma
definição operacional curiosa: passado o ardor da paixão, descobre-se que se ama
alguém quando o fato de pensar no que seria da vida sem a pessoa causa angústia
sincera e profunda. O amor é esse laço que faz o cérebro achar que a felicidade está
vinculada à presença e à felicidade do outro e que fazê-lo feliz dá novo sentido à vida.
Nesse estado, desejar o casamento é apenas natural.
Se é para sempre? Depende de vários fatores, alguns deles fora de nosso alcance,
como ser traído (e não apenas sexualmente). A boa notícia da neurociência sobre a longevidade dos relacionamentos amorosos é que eles não estão necessariamente
fadados ao esgotamento: é, sim, possível se sentir apaixonado décadas a fio pela mesma
pessoa. E não é mero acaso de sorte: você pode fazer sua parte. É uma questão de
continuar inventando e descobrindo novos prazeres a dois. Tudo para manter o sistema
de recompensa do outro interessado em você...
(Herculano-Houzel, S., Scientific American - Cérebro e Mente, out/2010.