Propagnosia
É muito chato. Você olha a cara da pessoa, sabe quem é,
mas não lembra o nome de jeito nenhum.
O constrangimento se deve ao fato de que a área
cerebral envolvida no reconhecimento de faces é
separada daquela responsável pelo arquivamento de
nomes próprios.
Somos bons reconhecedores de fisionomias, porque
essa habilidade foi essencial à sobrevivência. Das
cavernas aos dias nas ruas de São Paulo, perceber se
quem vem em nossa direção é amigo ou inimigo valeu
muito mais do que saber seu nome.
Essa necessidade foi tão premente que, na seleção
natural de nossos ancestrais, levaram vantagem
aqueles com uma área do cérebro especializada no
reconhecimento de faces: o giro fusiforme.
No início dos anos 2000, o grupo de
Kalanit Grill-Spector, da Universidade Stanford,
observou que diversas partes do córtex visual (região
responsável pelo controle da visão) das crianças se
modificavam com a idade. Entre elas estava o giro
fusiforme.
O desenvolvimento recente dos aparelhos de obtenção
de imagens por ressonância magnética quantitativa
(qMRI) tornou possível estimar o volume que as células
ocupam em determinado tecido.
Por meio dessa tecnologia, o grupo de Stanford avaliou
os volumes do giro fusiforme e de uma área situada
a 2 cm de distância: o sulco colateral, envolvido na
identificação de lugares e localizações.
Foram incluídos no estudo 22 crianças, de 5 a 12 anos, e
25 adultos, de 22 a 28 anos. O experimento consistiu em
colocar os participantes para observar separadamente
imagens de faces e de lugares, enquanto a ressonância
calculava o volume de neurônios existentes em ambos
os sulcos.
Não houve diferenças no volume de tecido existente
no sulco colateral de crianças ou adultos, enquanto se
detinham nas imagens de lugares. Ao contrário, ao olhar
para as faces, a ressonância mostrou que os adultos
tinham sulcos fusiformes com volume 12% maior do que
as crianças, em média.
Para confirmar se o aumento de volume do sulco
fusiforme nos adultos estaria associado à maior
facilidade para identificar fisionomias, os participantes
foram postos diante da tela de um computador que
exibia fotografias de rostos em três ângulos diferentes.
Em seguida, precisavam reconhecê-los num painel que
mostrava rostos parecidos.
Aqueles com sulcos fusiformes mais volumosos eram
mais eficientes no reconhecimento, de fato.
Como o número de neurônios pouco varia do nascimento
à morte, a explicação para esse aumento de volume do
sulco fusiforme estaria relacionada com o aumento do número das conexões através da quais os neurônios
enviam sinais uns para os outros (sinapses). Na
analogia dos autores: o número de árvores na floresta
permaneceria o mesmo, mas os galhos se tornariam
mais densos e complexos.
Recém-publicados na revista Science, esses achados
surpreendem, porque demonstram que essa região do
cérebro continua a se desenvolver da infância à vida
adulta, enquanto a apenas 2 cm de distância, a área
encarregada de identificar lugares permanece inalterada.
O reconhecimento imediato de rostos e expressões
faciais permitiu que nossos ancestrais decidissem
num relance se deviam correr, lutar ou se aproximar,
discernimento crucial à vida em comunidades sociais
com maior número de indivíduos. Na infância, temos
poucas fisionomias a conhecer, as pessoas que nos
cercam são nossos pais, parentes e vizinhos. À medida
que nos tornamos adultos, no entanto, o contato com
gente estranha cresce exponencialmente e exige
circuitos mais complexos de neurônios.
Comparado com outros tipos de informação visual,
o reconhecimento de faces requer processamento mais
elaborado, uma vez que elas, muitas vezes, diferem
umas das outras em apenas alguns traços.
Decifrar os segredos das conexões no sulco fusiforme
permitirá entender os casos de prosopagnosia congênita
ou causada por pequenos derrames cerebrais que lesam
os neurônios do sulco fusiformes.
Essas pessoas são incapazes de reconhecer parcial
ou totalmente o rosto dos amigos, dos pais ou dos
próprios filhos, mas mantém preservada a capacidade
de memorizar seus nomes e demais características
individuais. Cerca de 2% da população sofrem desse
transtorno em algum grau.
VARELLA, Drauzio. Propagnosia. Drauzio Varella. Disponível
em:<https://goo.gl/VsXRCj>. Acesso em: 10 fev. 2016
(Adaptação).