Geração canguru: os filhos adultos
que moram com os pais
No Brasil, uma a cada quatro pessoas de 25 a 34 anos
ainda não saiu de casa. Dinheiro não é o único motivo
Prestes a completar 28 anos, Thomás Moreno da
Silveira não se constrange em morar com a mãe,
com quem divide apartamento no bairro Auxiliadora,
em Porto Alegre. A responsabilidade sobre as contas fica
com a produtora cultural de 59 anos, que também cuida
das refeições diárias dele e dos afazeres domésticos.
Sem essas preocupações, o advogado consegue se
dedicar inteiramente aos clientes e a fazer suas reservas
financeiras.
— É um conforto para mim, porque é ela quem faz
comida, lava roupa. Com isso, me sobra mais tempo.
Cuidar de uma casa é trabalhoso — reconhece.
A última pesquisa divulgada pelo IBGE sobre o tema
mostra que Thomás integra um grupo em ascensão
no Brasil. Embora tivesse algum tipo de renda, um a
cada quatro pessoas de 25 a 34 anos ainda vivia com
a família em 2015. Onze anos antes, a proporção era
menor: uma a cada cinco.
A percepção do gerente da área de Indicadores Sociais
do IBGE, André Simões, é de que a quantidade de
pessoas nessas condições aumentou desde então.
– O que observamos é que até 2015 havia um
crescimento. Com o aumento da violência, a tendência
é de que a taxa tenha se mantido em elevação. Para os
jovens, é melhor ficar em casa, protegidos – diz Simões.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
em São Paulo, a professora Joice Melo Vieira avalia a
chamada geração canguru como um “fenômeno que
veio para ficar” e que tende a se intensificar à medida
que conquistar independência financeira se torna cada
vez mais difícil.
– A noção de juventude também tem mudado. É como
se as pessoas se percebessem como jovens por mais
tempo. Além disso, viver sozinho ainda não é uma
experiência obrigatória no Brasil antes de formar a
própria família. Muitos só saem quando casam. Nesse
contexto, ao adiar o matrimônio, para alguns é quase
automático que irão ficar na casa dos pais – comenta.
[...]
É uma escolha pessoal, dizem pesquisadoras
No artigo “A Geração Canguru no Brasil” (2010), as
pesquisadoras Barbara Cobo e Ana Lucia Saboia dizem
que essa configuração no arranjo familiar tem como
gênese a escolha pessoal. Para elas, a maioria dos
filhos tem condições econômicas de se sustentar.
Opcional ou não, especialistas citam diferentes fatores
para o apego ao ninho: mais anos dedicados aos
estudos, casamentos tardios, alto custo de vida, fatores
emocionais, desemprego, violência, viagens e divórcio
dos pais – a separação estimula filhos a ficarem com
um deles como companhia. Enquanto os casamentos
aumentaram em 2,78% entre 2012 e 2017 no Rio Grande
do Sul, os divórcios subiram 23,25% no mesmo período.
Presidente da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (Abep), o professor Ricardo Ojima
acrescenta o adiamento da maternidade e da
paternidade.
— Decidem que vão sair quando alcançarem condição
financeira que propicie os benefícios que o ambiente
familiar oferece — avalia Ojima.
A pesquisadora Joice, do Núcleo de Estudos de
População da Unicamp, cita, ainda no contexto social,
o preço dos imóveis e o custo de manutenção de um
domicílio. Isso, atrelado aos motivos já citados, estimula
a manutenção daquele convívio.
— Há também jovens que se veem como importantes
provedores complementares da renda familiar. Sem eles
ali, entendem que as dificuldades poderiam ser maiores
— comenta.
Mestre em Antropologia Social e doutora em Demografia,
ela lembra mudanças culturais importantes que, por
vezes, facilitaram o prolongamento da convivência.
Pais e filhos passaram a se enxergar como amigos que
podem dividir o espaço doméstico, inclusive, aceitando a
vida afetiva e sexual um do outro.
Impacta o cérebro, diz neuropsicóloga
Para a neuropsicóloga da PUCRS, Rochele Paz
Fonseca, a busca tardia pela autonomia passa, também,
pelo desenvolvimento lento da parte do cérebro
responsável por organização, planejamento, controle de
impulsos e tomada de decisão. Ligadas à autonomia, as
chamadas funções executivas, explica Rochele, estão
na última parte do cérebro a amadurecer – até 32 anos
nas mulheres e até os 37 anos nos homens.
— Há evidências científicas que comprovam que essas
funções estão se atrasando cada vez mais, pois precisam
de um estímulo do ambiente para se desenvolverem.
Se tem uma pessoa que lava roupa, paga as contas e
resolve a maioria dos seus problemas, essas funções
não são exigidas. Esses jovens adultos vão encontrar
mais dificuldade para levar uma vida independente, para
adquirir conhecimento financeiro — diz.
O psicanalista Paulo Gleich, que escreveu uma
coluna que inspirou este texto, alerta para dificuldades
dos filhos em estabelecerem outras relações íntimas que
não as familiares:
— O conforto do conhecido acaba limitando a
oportunidade de novas experiências.
Para ele, o cenário com o melhor de dois mundos pode
ser, muitas vezes, uma espécie de prisão de luxo.
— Seduzidos pelas tolerantes benesses, os filhos
não veem sentido em passar perrengues, como juntar
trocados para pagar a conta de luz ou comer miojo por
uma semana, apenas para ter algo que, supostamente,
têm em casa: a liberdade de ir e vir, de fazer o que
desejam. Com esse véu de liberalidade, a alienação
passa quase despercebida, mas com frequência está
lá: há uma dependência que transcende a questão
econômica — avalia.
[...]
Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.
br/comportamento/noticia/2019/05/geracaocanguru-os-filhos-adultos-que-moram-com-os-paiscjwavy0wn018v01qt7mm1eczs.html>. Acesso em 11 set. 2019.
(Adaptação)