Óleo de rícino
Trinta anos atrás, uma senhora que sofria
de reumatismo me contou ter sido tratada com óleo de
rícino. Duas vezes por semana, ela ia ao consultório, e o
médico perguntava: “Hoje a senhora prefere o vermelho
ou o alaranjado?”. Vermelha era a cor no pote que
continha óleo de rícino com groselha; no outro, o óleo
vinha misturado com essência de laranja, para disfarçar
o gosto insuportável do purgativo.
Até aí, nenhuma novidade; em tantos anos de profissão,
já vi os tratamentos mais estapafúrdios prescritos tanto
por médicos tradicionais como pela autodenominada
medicina alternativa; o curioso, nesse caso, é que a
receita vinha de um renomado professor universitário,
autor de um tratado de clínica médica adotado em várias
faculdades. E, mais desconcertante: a senhora estava
convencida de que, graças à ação do famigerado óleo,
as dores entravam em períodos de acalmia.
Óleo de rícino é dotado de atividade antirreumática?
É muito pouco provável que seja, mas a medicina daquele
tempo oferecia poucos recursos e não era baseada
em evidências experimentais. Os médicos adotavam
condutas e receitavam remédios com base em teorias
jamais comprovadas cientificamente ou de acordo
com ideias pré-concebidas e experiências pessoais.
Parte expressiva desse entulho do empirismo ainda se
acotovela nas prateleiras das farmácias sob o rótulo
de protetores do fígado, fortificantes, revitalizadores,
complexos vitamínicos e de mirabolantes associações
de panaceias que apregoam, no rádio e na TV, curar
males tão diversos quanto falta de memória, fraqueza,
irregularidades menstruais, gripes e doenças do fígado.
A explosão do conhecimento científico, que revolucionou
a forma de praticar medicina na segunda metade do
século 20, implantou o paradigma de que qualquer
tratamento médico só pode ser adotado depois de
haver demonstrado eficácia estatisticamente significante
em estudos conduzidos com absoluto rigor científico.
A experiência pessoal ou de terceiros é importante para
ajudar o médico a interpretar resultados e referendar ou
não as conclusões tiradas nesses estudos, mas não é
suficiente para substituí-los.
Por que a exigência desse rigor? Primeiro, porque
as doenças evoluem de forma imprevisível: curas e
recaídas podem suceder-se sem qualquer relação com o
tratamento instituído. Segundo, porque cada organismo
reage de acordo com suas idiossincrasias: o remédio
que cura um pode matar outro. Terceiro, por causa
da existência do efeito placebo, isto é, do alívio que o
simples ato de ir ao médico e de tomar remédio pode
trazer para algumas pessoas.
O caso da vitamina C é um bom exemplo. Nos anos
1970, o cientista Linus Pauling lançou a ideia de que
vitamina C em doses altas melhoraria a imunidade,
preveniria gripes, resfriados e até câncer.
Por falta de apenas um, Pauling havia sido agraciado
com dois prêmios Nobel: o de Química e o da Paz, mas
entendia de medicina tanto quanto eu de pontes e de
barragens.
O resultado foi o uso indiscriminado de vitamina C,
porque usuários contumazes que passam dois anos
sem gripe atribuem à vitamina o poder protetor; quem
teve um resfriado que foi embora em dois ou três dias,
enquanto o do vizinho levou cinco, faz o mesmo.
O uso de vitamina C alardeado por Pauling ainda rende
centenas de milhões de dólares em vendas anuais, mas
não foi suficiente para livrá-lo do câncer de próstata no
fim da vida nem demonstrou qualquer eficácia na
prevenção ou tratamento de gripes e resfriados, em
nenhum estudo realizado.
[...]
A medicina baseada em evidências decretou o fim do
médico lacônico, que impõe tratamentos prescritos em
hieróglifos. Na medicina moderna, o papel do profissional
é apresentar as evidências e ajudar o doente a decidir
qual das opções é a mais adequada para seu caso.
Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/ artigos/oleo-de-ricino/>. Acesso em: 22 jul. 2019.