INSTRUÇÃO: Leia o a seguir para responder à questão.
A melhor vingança
Artur Azevedo
O Vieirinha namorou durante dois anos a Xandoca; mas
o pai dele, quando soube do namoro, fez intervir a sua
autoridade paterna.
– A rapariga não tem eira nem beira, meu rapaz; o pai
é um simples empregado público que mal ganha para
sustentar a família! Foge dela antes que as coisas
assumam proporções maiores, porque, se te casares
com essa moça, não contes absolutamente comigo –
faze de conta que morri, e morri sem te deixar vintém.
Tu és bonito, inteligente, e tens a ventura de ser meu
filho; podes fazer um bom casamento.
Não sei se o Vieirinha gostava deveras da Xandoca;
só sei que depois dessa observação do Comendador
Vieira nunca mais passou pela Rua Francisco Eugênio,
onde a rapariga todas as tardes o esperava com um
sorriso nos lábios e o coração a palpitar de esperança
e de amor. O brusco desaparecimento do moço fez com
que ela sofresse muito, pois que já se considerava noiva,
e era tida como tal por toda a vizinhança; faltava apenas
o pedido oficial. Entretanto, Xandoca, passado algum
tempo, começou a consolar-se, porque outro homem,
se bem que menos jovem,menos bonito e menos elegante
que o Vieirinha, entrou a requestá-la seriamente, e não
tardou a oferecer-lhe o seu nome. Pouco tempo depois
estavam casados.
Dir-se-ia que Xandoca foi uma boa fada que entrou
em casa desse homem. Logo que ele se casou, o seu
estabelecimento comercial entrou num maravilhoso
período de prosperidade.
Em pouco mais de dois anos, Cardoso – era esse o
seu nome – estava rico; e era um dos negociantes mais
considerados e mais adulados da praça do Rio de Janeiro.
Ele e Xandoca amavam-se e viviam na mais perfeita
harmonia, gozando, sem ostentação, os seus haveres e
de vez em quando correndo mundo. Uma tarde em que
D. Alexandrina (já ninguém a chamava Xandoca) estava
à janela do seu palacete, em companhia do marido,
viu passar na rua um bêbedo maltrapilho, que servia de
divertimento aos garotos, e reconheceu, surpresa, que o
desgraçado era o Vieirinha.
Ficou tão comovida, que o Cardoso suspeitou,
naturalmente, que ela conhecesse o pobre diabo,
e interrogou-a neste sentido.
– Antes de nos casarmos, respondeu ela, confessei-te,
com toda a lealdade, que tinha sido namorada e noiva,
ou quase noiva, de um miserável que fugiu de mim,
sem me dar a menor satisfação, para obedecer a uma
intimação do pai.
– Bem sei, o tal Vieirinha, filho do Comendador Vieira,
que morreu há três ou quatro anos, depois de ter perdido
em especulações da bolsa tudo quanto possuía.
– Pois bem, o Vieirinha ali está!
E Alexandrina apontou para o bêbado, que afinal caíra
sobre a calçada, e dormia.
– Pois, filha, disse o Cardoso, tens agora uma boa
ocasião de te vingares!
– Queres tu melhor vingança?
– Certamente, muito melhor, e, se me dás licença, agirei
por ti.
– Faze o que quiseres, contanto que não lhe faças mal.
– Pelo contrário.
Quando no dia seguinte o Víeirinha despertou, estava
comodamente deitado numa cama limpa e tinha diante
de si um homem de confiança do Cardoso.
– Onde estou eu?
– Não se importe. Levante-se para tomar banho!
O Vieirínha deixou-se levar como uma criança.
Tomou banho, vestiu roupas novas, foi submetido à
tesoura e à navalha de um barbeiro, e almoçou como
um príncipe. Depois de tudo isso, foi levado pelo mesmo
homem a uma fábrica, onde, por ordem do Cardoso,
ficou empregado. Antes de se retirar, o homem que
o levava deu-lhe algum dinheiro e disse-lhe:
– O senhor fica empregado nesta fábrica até o dia em
que torne a beber.
– Mas a quem devo tantos benefícios?
– A uma pessoa que se compadeceu do senhor e deseja
guardar o incógnito. O Vieirinha atribuiu tudo a qualquer
velho amigo do pai; deixou de beber, tomou caminho,
não é mau empregado, e há de morrer sem nunca ter
sabido que a sua regeneração foi uma vingança.
Disponível em: www.dominiopublico.gov.br.
Acesso em: 27 mar. 2022.