TEXTO 01
O texto abaixo servirá de base para responder a questão.
PENETRANDO NO TEXTO DO ACORDO
ORTOGRÁFICO
(1º§) Neste primeiro contato com esses leitores,
acreditamos que não seria de todo descabido
mostrar-lhes as dificuldades inerentes com que
tiveram de lutar os ortógrafos anteriores, num
espaço de quase cem anos até a elaboração do
atual texto objeto de nossas conversas. Isto sem
contar os desafios dos escribas medievais para pôr
em escrito as palavras utilizadas no seu tempo
contando com um alfabeto herdado dos romanos e
que se mostrava inadequado a reproduzir sons da
nova língua que o latim não conhecia.
(2º§) Toda essa maravilhosa aventura vai ser aqui
posta de lado por fugir ao propósito imediato de
nossas considerações. Interessa-nos mais de perto o
esforço desenvolvido no final do século 19 até o livro
seminal do foneticista português Gonçalves Viana,
Ortografia Nacional, saído em Lisboa em 1904, obra
que pôs a questão ortográfica nos trilhos da ciência
linguístico-filológica do seu tempo. O subtítulo do
livro anunciava claramente a intenção que movia seu
autor: simplificação e uniformização sistemática das
ortografias portuguesas.
(3º§) O plural "ortografias" alude às bases dos dois
sistemas que presidiam cada corrente apontada
como digna de ser seguida: a etimológica e a sônica
ou fonética; segundo esta última, as palavras deviam
ser escritas como se pronunciam. A escrita
etimológica era a que se atribuía ares de ciência, por
seguir a tradição greco-latina, com suas letras
dobradas e com os dígrafos ph (phosphoro), th
(theoria), sc (sciencia), etc. Ambas tiveram de buscar
ajuda de diacríticos desconhecidos das duas línguas
clássicas: os acentos agudo (´), grave (`) e
circunflexo (^), o apóstrofo ('), o til (~), o hífen (-), a
cedilha (,) sotoposta ao c e poucos outros, no que já
eram dispositivos que seriam aproveitados nos
formulários ortográficos oficiais elaborados pelas
comissões acadêmicas a partir do século 20. A
utilização dos acentos gráficos tem por objetivo
indicar a correta sílaba tônica para os falantes
nativos e estrangeiros que não desejam ou não
podem cometer erros de pronúncia. Línguas há que
dispensam o recurso aos sinais gráficos, como é o
caso do latim clássico e dos idiomas germânicos,
pelo fato de terem estruturalmente marcada a
posição da sílaba tônica. No grego antigo a necessidade do uso dos acentos gráficos se deu no
Egito em virtude de a língua da Hélade ter passado a
ser veículo de comunicação falada entre
estrangeiros que desejavam acertar na posição da
sílaba tônica. Entre portugueses e brasileiros a
acentuação gráfica também visava a um expediente
didático.
(4º§) Se os acentos tinham funções bem
demarcadas entre os timbres aberto e fechado da
vogal da sílaba tônica, desde cedo os ortógrafos
variaram as funções do hífen e das iniciais
maiúsculas e minúsculas, concedendo-lhes aspectos
objetivos e subjetivos, criando aos utentes
perplexidades de emprego que não puderam ser
disciplinadas inteligentemente pelas técnicas e
postas em prática pelo homem comum na hora de
registrar por escrito esses sinais ortográficos,
perplexidades que chegam até ao acordo de 1990
que os signatários tentaram disciplinar e simplificar.
(5º§) Cabe, hoje, aos representantes das duas
Academias e aos especialistas estudar-lhes as
normas aprovadas e dar-lhes condições técnicas
para que seja alcançado o propósito dos signatários
do acordo, qual seja "um passo importante para a
defesa da unidade essencial da língua portuguesa e
para o seu prestígio internacional".
(...)
(Evanildo Bechara é filólogo e gramático, membro da Academia Brasileira de
Letras e Coordenador da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da instituição.)