BRASIL NO PROJETO EHT
A primeira imagem de um buraco negro está circulando
pelo mundo já faz uma semana. Esse feito só foi possível a
partir de uma combinação de sinais capturados por oito
radiotelescópios e montada com a ajuda de um "telescópio
virtual" criado por algoritmos. Mais de 200 cientistas de
diferentes nacionalidades, que participaram do avanço
científico, fazem parte do projeto Event Horizont
Telescope (EHT).
Entre eles, está o nome da brasileira Lia Medeiros, de
28 anos, que se mudou na infância para os Estados Unidos,
onde acaba de defender sua tese de doutorado (conhecida
lá fora como PhD) pela Universidade do Arizona. Filha de
um professor de Aeronáutica da Universidade de São Paulo
(USP), afirmou, em entrevista ao G1, que cresceu perto de
pesquisas científicas. Ela também precisou usar inglês e
português nos vários lugares em que morou e, por isso, viu
na matemática uma linguagem que não mudava.
Especializada em testar as teorias da física nas
condições extremas do espaço, Lia encontrou no EHT o
projeto ideal para o seu trabalho. Ela atuou tanto na
equipe que realizou as simulações teóricas quanto em um
dos quatro times do grupo de imagens. Os pesquisadores
usaram diferentes algoritmos para ter os pedaços da
imagem do buraco negro captados pelos sinais dos
radiotelescópios e preencher os espaços vazios para
completar a "fotografia".
O feito de Lia recebeu destaque no site da Universidade
do Arizona, que listou o trabalho no projeto de mais de 20
estudantes da instituição, começando pela brasileira.
Segundo a pesquisadora, embora os resultados do projeto
EHT tenham sido obtidos graças ao trabalho de mais de
tantas pessoas, o foco que as mulheres participantes do
projeto receberam é positivo para mudar o estereótipo de
quem pode e deve ser cientista.
Como você se envolveu com ciência e, mais
especificamente, com a astronomia?
Meu pai é professor universitário e cresci perto da
pesquisa científica. Decidi que queria fazer um PhD desde
cedo, mesmo antes de saber o que queria estudar. Mudei
muito durante a minha vida e troquei de línguas entre
português e inglês três vezes até os 10 anos. Quando era
criança, percebi que, mesmo que a leitura e a escrita
fossem completamente diferentes em países diferentes, a
matemática era sempre a mesma. Ela parecia ser uma
verdade mais profunda, como se fosse de alguma forma
mais universal que as outras matérias. Mergulhei na
matemática e amei.
No ensino médio, estudei física, cálculo e astronomia
ao mesmo tempo e, finalmente, entendi o real significado
da matemática. Fiquei maravilhada e atônita que nós,
seres humanos, conseguimos criar uma linguagem, a
matemática, que não é só capaz de descrever o universo,
mas pode inclusive ser usada para fazer previsões.
Fiquei especialmente maravilhada pelos buracos
negros e a teoria da relatividade geral. Decidi então que
queria entender os buracos negros, que precisava
entender os buracos negros. Lembro que perguntei a um
professor qual curso eu precisava estudar na faculdade
para trabalhar com buracos negros. Ele disse que
provavelmente daria certo com física ou astronomia. Então
eu fiz as duas.
E como você se envolveu com o projeto do EHT?
Meus interesses de pesquisa estão focados no uso de
objetos e fenômenos astronômicos para testar os
fundamentos das teorias da física. Eu vejo a astronomia
como um laboratório onde podemos testar teorias nos
cenários mais extremos que você possa imaginar. O EHT
era o projeto perfeito para isso, porque as observações
dele sondam a física gravitacional no regime dos campos
de força em maneiras que ainda não tinham sido feitas
antes. (...)
Tenho dedicado uma porcentagem significativa do meu
tempo, durante meus estudos, em tentar expandir a
representação das mulheres na ciência, especificamente
focando em dar às meninas jovens exemplos positivos nos
modelos femininos na STEM [sigla em inglês para ciências,
tecnologia, engenharia e matemática]. Por exemplo,
frequentemente visito escolas de ensino médio e outros
locais para dar palestras públicas.
Na minha opinião, reconhecer que muitas mulheres
estão envolvidas nesse resultado pode ser muito benéfico
para mudar o estereótipo de quem pode e deve ser
cientista. É importante que garotas e jovens mulheres
saibam que essa é uma opção para elas, e que não estarão
sozinhas se optarem por uma carreira científica.
https://gazetaweb.globo.com/portal/