O calor da sauna
Paulo Pestana
“Já que…” – a junção do advérbio com o
pronominal é quase sinônimo de problema. Serve para dar
prosseguimento a algo que estamos fazendo ou querendo
fazer, e aí começa uma interminável sequência de ações,
complementos e adendos. Numa obra é fatal.
E foi assim que começou a saga do nosso amigo,
15 anos atrás. Morador do bairro Sudoeste desde os
primeiros dias, decidiu fazer uma reforma no apartamento.
Não precisava, mas “já que…” (olha ele aí) um amigo tinha
terminado uma obra, aproveitou o arquiteto.
E “já que…” (de novo!) faria um projeto, pediu
para acrescentar uma sauna na área da piscina da
cobertura. Coisa simples. Os amigos estranharam. Nunca o
viram numa sauna antes. Mas era um capricho, e com
esses desejos repentinos não se discute; e “já que…” (mais
uma vez) existia uma pequena casa de máquinas no local,
seria moleza.
Muitos “já-ques” depois, a obra foi entregue. A
cozinha ficou mais ampla, o escritório mais confortável, a
sala mais agradável e até o banheiro do quarto ganhou
uma garibada. Satisfeito, nosso amigo curtia a casa como
se fosse nova, um prazer onanista – no sentido figurado,
claro, já que era exclusivo dele; nunca foi um exibido.
E a sauna?, já pressinto a pergunta. Também ficou
muito boa, caprichada, feita com material de primeira,
motor último tipo. Como mimo, o arquiteto deixou uma
essência de eucalipto e uma toalhinha branca. Não sei se
por encanto com o resto do lar, mas ele nunca entrou na
sauna, nunca apertou o botão de ligar. Até agora.
15 anos se passaram e, enfim, ele resolveu estrear
a sauna. De novo, os amigos estranharam. Eram dias
escaldantes, com temperatura próxima dos quarenta
graus; ou seja: a cidade inteira atrás de um refresco, de
uma sombra, e ele chamou amigos para inaugurar a sauna,
com direito a champanhe geladinha.
Qualquer pessoa prevenida faria um teste antes,
mas nosso amigo é um otimista. As pessoas chegaram e
ele apertou o botão. Nada. Nem uma faísca. O motor,
talvez cansado de esperar, não ligou. Mas como ensinou
madame Clicquot Ponsardin, com champanhe não há
tempo ruim. E a festa continuou.
Com o calorão, não precisava mesmo de vapor
para esquentar a sauna, e pelo menos o cheiro do
eucalipto funcionou a contento.
Dia seguinte, veio a ressaca moral, e nosso amigo
chamou o eletricista que havia contratado para fazer uma
revisão em todo o sistema elétrico da casa. “Já que…” (ele
sempre volta!) seria feita mudança de fios e tomadas, que
consertasse também a sauna, inclusive trocando o motor
zero quilômetro, mas inútil, por uma máquina nova, menor
e mais potente.
O rapaz tinha muita boa vontade, mas, ao que
parece, só isso. Quando foi instalar o motor no quadro de
luz, encostou a chave de fenda nos dois polos, e ninguém
precisa ser um unabomber para saber que isso dá em
explosão. E o bum foi tão poderoso que apagou a luz de
todo o bloco; muita gente saiu correndo.
Até hoje os vizinhos olham nosso amigo de
soslaio. E se alguém quiser briga é só falar em sauna com
ele.
PESTANA, Paulo. O calor da sauna. Correio Braziliense, 13
de novembro de 2023. Disponível em:
https://blogs.correiobraziliense.com.br/paulopestana/ocalor-da-sauna/. Acesso em: 15 nov. 2023. Adaptado.
Glossário:
- Madame Clicquot Ponsardin: empresária francesa do
ramo de bebidas. Passou a fazer vinho na região de
Champagne, na França, no início do século XIX, à frente de
um negócio falido que havia sido fundado pelo sogro em
1772. A bebida que leva sua alcunha é um dos
champanhes mais reverenciados do planeta. (Adaptado de
Veja, 09/09/2022)
- unabomber: Apelido dado pela polícia federal
estadunidense (FBI) ao matemático Ted Kaczynski, que
matou três pessoas e feriu mais 23 durante uma onda de
bombardeios em massa entre 1978 e 1995. Os alvos de
seus ataques pareciam sempre ser universidades e
companhias aéreas. (Adaptado de BBC Brasil, 10/06/2023)
- onanista: Aquele que pratica o onanismo = 1. Coito
interrompido antes da ejaculação. 2. Masturbação
masculina. ("onanismo", in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha], 2008-2023,
https://dicionario.priberam.org/onanismo.)