Discrepâncias no volante
Minha esposa é um espetáculo no volante. Não tenho
como me comparar com ela. Beatriz é capaz de ir de ré
por muitas quadras. Estaciona em lugares apertados e
improváveis. Não dá voltas à toa. Não tem medo da
plateia no meio-fio.
Curiosamente, ela precisou fazer três vezes o exame de
direção para obter a CNH. Foi reprovada nas duas
primeiras tentativas por algumas distrações das quais ela
nunca ficou sabendo. Pode ter sido qualquer detalhe −
um amigo, Rodrigo, esqueceu de fechar o visor do
capacete na moto e repetiu a prova.
Eu sou um motorista medíocre, não do tipo que acumula
40 pontos de infrações por ano, mas dirijo com
limitações. Não me engano achando que velocidade é
virtude. Eu me estendo na barra da direção como um
gafanhoto, como se estivesse em carro-choque. Freio de
modo abrupto no sinal vermelho.
Pois é, espantosamente, passei de primeira no exame
de direção. A vida nem sempre é justa. Há justificativas
racionais para o desequilíbrio, ou para a minha sorte
azarada, ou para o seu azar sortudo.
Existe o impacto da quantidade de aulas práticas. Eu fiz
o mínimo de aulas previsto: 20. Como acabei aprovado
de cara, eu me acomodei no básico. Beatriz realizou 40
aulas, num investimento maior de prevenção.
A diferença etária também pesa. Fui tirar a carteira aos
25 anos, ela aos 18 anos. Não consegui internalizar o
carro como a extensão do meu corpo. Quanto mais cedo
você aprende a dirigir, mais apurado será o senso de
proporção e de pertencimento mecânico.
Beatriz já entrou no universo das rodas com a idade
mínima. O retrovisor é parte natural do seu globo ocular.
Ela não hesita, conhece os dispositivos eletrônicos por
impulso automático.
Não sofre nenhum distanciamento
com o para-brisa. Suas decisões são intuitivas e
orgânicas.
Não se trata, portanto, de nenhum demérito ser
reprovado no exame de direção. É tão somente
resultado do nervosismo paralisante. Talvez a
reincidência seja um feliz aperfeiçoamento, e você possa
assim se tornar o melhor motorista da família.
Fabrício Carpinejar - Texto Adaptado
https://www.otempo.com.br/opiniao/fabricio-carpinejar/2025/1/10/discre
pancias-no-volante