Uma agenda prioritária
“Calamitosus est animus futuri anxius” – traduzindo, “Infeliz é o espírito ansioso pelo futuro”. A máxima é
de Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), monumento da filosofia latina. Seu foco era a importância de saber viver o
presente; no entanto, é inegável que a ansiedade se vincula ao futuro, ao porvir. No Brasil, como se sabe, o
futuro costuma durar muito tempo – daí o estado de ansiosa infelicidade diante das urgências que assolam o
país em tantos e diversos aspectos da vida social.
Embora seja uma das nações mais urbanizadas do mundo, o Brasil maltrata a parcela maior dos habitantes das
urbes, formada exatamente pelos menos favorecidos. Assim, nem é preciso sublinhar o quanto de ansiedade
existe em relação ao futuro a ser moldado pelos prefeitos e vereadores que se elegeram ou foram reconduzidos
aos respectivos postos nas eleições. [...] Esses gestores locais se encontram diante de uma agenda emergencial:
a viabilização de cidades de fato inclusivas social e ambientalmente, atentas aos territórios de maior
vulnerabilidade, onde se aglomeram milhões de pessoas sem moradia digna, saneamento básico, equipamentos
de lazer ou áreas verdes, para ficar em uma lista mínima de carências.
O enfrentamento desses problemas – de modo propositivo, consistente, incremental e contínuo, baseado em
políticas públicas integradas e territorializadas, com as respectivas ações estratégicas, sistêmicas e locais – é
o incontornável desafio que se apresenta às novas gestões. Ele exige modelos de governança nos quais a
valorização da democracia, da ética, da ciência e da transparência, e a disposição em servir à sociedade
realizando o bem comum – a razão primeira da arte da política – embasem as propostas e, em especial, as
ações, planejadas com rigor.
Naturalmente, não há que se imaginar soluções padronizadas para diferentes regiões – é preciso levar em
conta, antes de tudo, as especificidades locais. Apesar disso, a experiência acumulada, nacional e
internacionalmente, permite apontar algumas medidas que merecem consideração por parte dos gestores. [...]
Muitos problemas das cidades exigem soluções em escala mais ampla que o território do município. As regiões
metropolitanas, onde se encontra a maior parte da população brasileira, apresentam um tecido urbano
conturbado, podendo ser caracterizadas como uma única cidade que se estende por vários municípios. A
Constituição do país permite nesses casos que as funções públicas de interesse comum, como saneamento
básico, mobilidade e controle da expansão urbana, sejam integradas por uma estrutura de governança
interfederativa, da qual participem o estado e os municípios. Tal estrutura já existe, todavia é preciso que seja
valorizada – com a devida cobrança nessa direção. [...]
Desde o deslocamento dos indivíduos e de cargas até o fornecimento de água, energia e telecomunicações,
quanto maior a densidade de ocupação do espaço, menor o custo de provisão dos serviços e de manutenção
da infraestrutura. Entretanto, na maior parte das cidades brasileiras está em curso um processo de crescimento
horizontal excessivo, que produz bairros de baixíssima densidade, ao mesmo tempo em que as áreas centrais
e históricas se degradam e são abandonadas. A reversão desse processo é imperativa, se não quisermos viver
apenas entre condomínios fechados e shopping centers, conectados por avenidas muradas, deixando a maior
parte da população vulnerável socialmente condenada a morar nas periferias distantes, sem infraestrutura
urbana adequada. [...]
Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/uma-agenda-prioritaria/. Acesso em: 17 de abril de 2023.