Questões de Concurso Público SEAD-RN 2016 para Professor de Língua Portuguesa
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Caça aos racistas
Alunos da Universidade Princeton querem tirar o nome de Woodrow Wilson de uma das mais importantes faculdades da instituição, a Woodrow Wilson School of Public and International Affairs. O motivo, é claro, é o racismo.
Thomas Woodrow Wilson (1856‐1924) ocupou a Presidência dos EUA por dois mandatos (1913‐1921). Era membro do Partido Democrata, levou o Nobel da Paz em 1919 e foi reitor da própria universidade. Mas Wilson era inapelavelmente racista. Achava que negros não deveriam ser considerados cidadãos plenos e tinha simpatias pela Ku Klux Klan. Merece ter seu nome cassado?
A resposta é, obviamente, “tanto faz". Um nome é só um nome e, para quem já morreu, homenagens não costumam mesmo fazer muita diferença. De resto, discussões sobre racismo são bem‐vindas. Receio, porém, que a demanda dos alunos caminhe perigosamente perto do anacronismo. Sim, Wilson era racista, mas não podemos esquecer que a época também o era. O 28º presidente dos EUA não está sozinho.
“Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade." Essa frase, que soa particularmente odiosa a nossos ouvidos modernos, é de Abraham Lincoln, que, não obstante, continua sendo considerado um campeão dos direitos civis.
O problema são os americanos; eles são atavicamente racistas, dirá o observador antiimperialista. Talvez não. “O negro é indolente e sonhador, e gasta seu dinheiro com frivolidades e bebida". Essa pérola é de Che Guevara. Alguns dizem que, depois, mudou de opinião. Quem não for prisioneiro de seu próprio tempo que atire a primeira pedra.
(SCHWARTSMAN, Hélio. Folha de S. Paulo, 13 de dezembro de 2015.)
( ) A intertextualidade pode ser observada como um dos recursos linguísticos utilizados pelo autor.
( ) Após breve enumeração, o autor apresenta características que se opõem às atribuições anteriores.
( ) O autor utiliza uma citação como recurso de sua argumentação para compor a maior parte do parágrafo.
( ) O autor do texto apresenta uma informação que pode ser considerada o fato motivador para a construção do texto.
( ) Um novo posicionamento é introduzido e apresentado mediante argumentos consistentes que se seguem no texto.
A sequência, de acordo com a ordem do conteúdo dos parágrafos, está correta em:
Texto II para responder à questão.
A divisão do trabalho social cria a solidariedade
[...]
Bem diverso [da solidariedade mecânica] é o caso da solidariedade produzida pela divisão do trabalho. Enquanto a precedente implica que os indivíduos se assemelham, esta supõe que eles diferem uns dos outros. A primeira só é possível na medida em que a personalidade individual é absorvida na personalidade coletiva; a segunda só é possível se cada um tiver uma esfera de ação própria, por conseguinte, uma personalidade. É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para que nela se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar; e quanto mais essa região é extensa, mais forte é a coesão que resulta dessa solidariedade. De fato, de um lado, cada um depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o trabalho nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais for especializada. Sem dúvida, por mais circunscrita que seja, ela nunca é completamente original; mesmo no exercício de nossa profissão, conformamo‐ nos a usos, a práticas que são comuns a nós e a toda a nossa corporação. Mas, mesmo nesse caso, o jugo que sofremos é muito menos pesado do que quando a sociedade inteira pesa sobre nós, e ele proporciona muito mais espaço para o livre jogo de nossa iniciativa. Aqui, pois, a individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade torna‐se mais capaz de se mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos próprios. Essa solidariedade se assemelha à que observamos entre os animais superiores. De fato, cada órgão aí tem sua fisionomia especial, sua autonomia, e contudo a unidade do organismo é tanto maior quanto mais acentuada essa individualização das partes. Devido a essa analogia, propomos chamar de orgânica a solidariedade devida à divisão do trabalho.
[...]
(DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. )
I. “É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual,..."
II. “... se cada um tiver uma esfera de ação própria, por conseguinte, uma personalidade."
III. “... e quanto mais essa região é extensa, mais forte é a coesão que resulta dessa solidariedade."
IV. “... para que nela se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar;..."
Em relação aos segmentos destacados anteriormente, identificam‐se termos/expressões que indicam o mesmo sentido apenas em
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa.”
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá‐lo, quis.”
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”
E ela: “Tô sabendo…”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”
“Sei…”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.
A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.”
“A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…
“Escuta aqui…”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”
“Tá ficando tarde”.
“Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”
“Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”
“Vem logo.”
“Palavras, palavras…”
“Depressa!”
“Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”
“Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”
“Já sei!”
“O quê? Volta aqui, pô”…”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa.”
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá‐lo, quis.”
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”
E ela: “Tô sabendo…”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”
“Sei…”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.
A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.”
“A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…
“Escuta aqui…”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”
“Tá ficando tarde”.
“Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”
“Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”
“Vem logo.”
“Palavras, palavras…”
“Depressa!”
“Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”
“Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”
“Já sei!”
“O quê? Volta aqui, pô”…”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa.”
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá‐lo, quis.”
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”
E ela: “Tô sabendo…”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”
“Sei…”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.
A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.”
“A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…
“Escuta aqui…”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”
“Tá ficando tarde”.
“Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”
“Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”
“Vem logo.”
“Palavras, palavras…”
“Depressa!”
“Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”
“Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”
“Já sei!”
“O quê? Volta aqui, pô”…”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa.”
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá‐lo, quis.”
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”
E ela: “Tô sabendo…”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”
“Sei…”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.
A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.”
“A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…
“Escuta aqui…”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”
“Tá ficando tarde”.
“Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”
“Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”
“Vem logo.”
“Palavras, palavras…”
“Depressa!”
“Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”
“Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”
“Já sei!”
“O quê? Volta aqui, pô”…”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa.”
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá‐lo, quis.”
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”
E ela: “Tô sabendo…”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”
“Sei…”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.
A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.”
“A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…
“Escuta aqui…”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”
“Tá ficando tarde”.
“Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”
“Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”
“Vem logo.”
“Palavras, palavras…”
“Depressa!”
“Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”
“Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”
“Já sei!”
“O quê? Volta aqui, pô”…”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)
Leia um trecho do texto do professor Sírio Possenti (A fonte completa foi omitida propositadamente).
“Saber falar significa saber uma língua. Saber uma língua significa saber uma gramática. [...] As crianças, por exemplo, não estudam sintaxe da colocação antes de ir à escola, mas, sempre que falam sequências que envolvem, digamos, um artigo e um nome, dizem o artigo antes e o nome depois [...]”
(POSSENTI, Sírio.)
Acerca do trecho lido, pode‐se afirmar que as considerações feitas refletem características da
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Considerando‐se o gênero textual apresentado, leia as características a seguir e assinale apenas as que lhe podem ser atribuídas.
I. Desenrolar de um conflito interior.
II. Narração de duas histórias simultâneas.
III. Independência textual em relação ao leitor.
IV. Temporalidade narrativa composta por dois tipos temporais diferentes.
Estão presentes no texto apenas as características
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
As palavras, de acordo com sua classificação morfológica e funções comunicativas, podem apresentar diferentes efeitos discursivos. De acordo com o exposto, analise dois segmentos a seguir.
I. “Mas ela vai esmigalhar a esperança!” (18º§)
II. “Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive...” (21º§)
Sobre os dois segmentos destacados anteriormente, é correto afirmar que
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei‐me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
– Ela é burrinha, comentou o menino.
– Sei disso, respondi um pouco trágica.
– Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
– Sei, é assim mesmo.
– Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
– Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
– Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
– É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
– Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
– Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
(LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)
Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterradas por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora.
(BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.)
Durante uma aula sobre o emprego dos pronomes, particularmente os pessoais, foi apresentado o seguinte quadro aos alunos:
O professor esclareceu ainda que “na língua culta, só os pronomes oblíquos aparecem regidos de preposição”. Diante
da frase vista no texto “Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras.” surgiu uma
dúvida em relação à construção “respondi a eles”, diante da qual o professor completou a explicação corretamente
da seguinte forma:
Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterradas por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora.
(BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.)