Por que mudar é difícil
Algo parece não fazer sentido. Como a maior democracia do mundo pode eleger Trump? Narcisista, misógino,
xenofóbico, infantil, esse senhor estará no comando da última superpotência mundial. Há pouco, também outra nação
de grande nível educacional e econômico abandonou um projeto globalizante. O Brexit não faz sentido sob quase
nenhuma ótica. Perdem-se livre comércio, educação, pesquisa, mão de obra, trocas culturais... Muitas explicações têm
sido aventadas. A maioria, consistente. O cansaço e o desgaste do político tradicional, a crise econômica, o
desemprego...
Penso que há uma razão ainda mais profunda. Chama-se “emotional bias”. Toda vez que tomamos decisões, somos influenciados por essas tendências humanas. Formas de pensar que não levam em conta a racionalidade da decisão, mas simplesmente emoções profundas, que podem conduzir a resultados desastrosos. Tome-se, por exemplo, o “short term bias”. Trata-se da busca do resultado satisfativo de meu desejo imediatamente, ainda que a um custo exorbitante.
Há um teste clássico, que pode ser visto na internet, chamado “experimento do marshmallow”. É oferecido a crianças
um doce, um marshmallow. Elas podem comê-lo imediatamente. No entanto, se esperarem alguns minutos, ganham
dois marshmallows. Crianças pequenas tendem a devorar a guloseima imediatamente.
Adolescentes tendem a conseguir esperar a recompensa maior. Coisas de laboratório? Não. As compras a
prestação funcionam assim. O bem de consumo é alcançado imediatamente e as prestações, que podem levar a uma
escala ruinosa de endividamento, não são consideradas. Empréstimos, cartões de crédito, ausência de planejamento de
aposentadoria são outros desdobramentos.
No caso de Trump e Brexit, penso que a maioria votou baseada no “status quo bias”. Essa outra tendência humana
nos compele a rejeitar mudanças em nossa forma de vida. Romper com tradições, em geral irrefletidas, pode ser muito
difícil. A sensação é de desgoverno, de que alguma ordem preestabelecida foi quebrada.
Assim, a globalização e a agenda de direitos humanos têm trazido grandes ameaças a formas de vida tradicionais. A
liberação sexual, o casamento gay, o consumo consciente, a preservação do meio ambiente, o convívio com religiões e
costumes diversos são alguns exemplos. Nisso, agarrar-me a minha pequena comunidade soa mais concreto e mais
seguro. Menos mudança, mais tranquilidade. 4
A defesa irracional do estado de coisas anterior também encontra reforço no excesso de informações presentes no
cotidiano moderno. Tomar decisões é difícil. Estudar posições, refletir, sopesar ganhos e perdas é excruciante. Assim, a
opção pelo tradicional irrefletido soa tranquilizador, ainda que não faça mais o menor sentido e mesmo negue fatos
evidentes.
Uma coisa é certa: a democracia precisa ser reinventada. Minha grande esperança ainda repousa na educação
crítica.
(STANCIOLI, Brunello. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/brunello-stancioli/por-que-mudar-%C3%A9-dif%C3%ADcil1.1398527. Acesso em: 12/11/2016.)