"Nos dois últimos séculos [XIX e XX], no tocante a discursos
apologéticos sobre a democracia, jamais esteve ausente o
argumento segundo o qual o único modo de fazer com que um
súdito transforme -se em cidadão é que a educação para a
democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática.
Concomitantemente, não antes.
Um dos trechos mais exemplares a esse respeito é o que se
encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo da
Considerações sobre o Governo Representativo de John Stuart
Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e
passivos: em geral, os governantes preferem os segundos (pois é
mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a
democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os
cidadãos passivos, ele conclui, os governantes acabariam
prazerosamente por transformar seus súditos num bando de
ovelhas dedicadas tão somente pastando o capim , lado a lado (e
a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é
escasso). Isso o levava a propor a extensão do sufrágio às classes
populares, com base no argumento de que um dos remédios contra
a tirania das maiorias encontra-se exatamente na promoção da
participação eleitoral não só das classes acomodadas (que
constituem sempre uma minoria e tendem a assegurar os próprios
interesses), mas também das classes populares. Stuart Mill dizia:
a participação eleitoral tem um grande valor educativo.
(BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
p. 31-32.)