TEXTO
Trecho do livro Modernidade Líquida
“Indivíduos frágeis”, destinados a conduzir suas vidas
numa “realidade porosa”, sentem-se como que patinando sobre
gelo fino; e “ao patinar sobre gelo fino”, observou Ralph Waldo
Emerson em seu ensaio Prudence, “nossa segurança está em
nossa velocidade”. Indivíduos, frágeis ou não, precisam de
segurança, anseiam por segurança, buscam a segurança e assim
tentam, ao máximo, fazer o que fazem com a máxima velocidade.
Estando entre os corredores rápidos, diminuir a velocidade
significa ser deixado para trás; ao patinar em gelo fino, diminuir a
velocidade também significa a ameaça real de afogar-se.
Portanto, a velocidade sobe para o topo da lista dos valores de
sobrevivência.
A velocidade, no entanto, não é propícia ao pensamento,
pelo menos ao pensamento de longo prazo. O pensamento
demanda pausa e descanso, “tomar seu tempo”, recapitular os
passos já dados, examinar mais de perto o ponto alcançado e a
sabedoria (ou imprudência, se for o caso) de o ter alcançado.
Pensar tira nossa mente da tarefa em curso, que requer
sempre a corrida e a manutenção da velocidade. E na falta do
pensamento, o patinar sobre o gelo fino que é uma fatalidade para
todos os indivíduos frágeis na realidade porosa pode ser
equivocadamente tomado como seu destino.
Tomar a fatalidade por destino, como insistia Max
Scheler em sua Ordo amoris, é um erro grave: “O destino do
homem não é uma fatalidade… A suposição de que fatalidade e
destino são a mesma coisa merece ser chamada de fatalismo”. O
fatalismo é um erro do juízo, pois de fato a fatalidade “tem origem
natural e basicamente compreensível”. Além disso, embora não
seja uma questão de livre escolha, e particularmente de livre
escolha individual, a fatalidade “tem origem na vida de um homem
ou de um povo”. Para ver tudo isso, para notar a diferença e a
distância entre fatalidade e destino, e escapar à armadilha do
fatalismo, são necessários recursos difíceis de obter quando se
patina sobre gelo fino: tempo para pensar, e distanciamento para
uma visão de conjunto.
(…) Tomar distância, tomar tempo – a fim de separar o
destino e a fatalidade, de emancipar o destino da fatalidade, de
torná-lo livre para confrontar a fatalidade e desafiá-la: essa é a
vocação da sociologia. E é o que os sociólogos podem fazer caso
se esforcem consciente, deliberada e honestamente para refundir
a vocação a que atendem – sua fatalidade – em seu destino.
Zygmunt Bauman
Disponível em https://colunastortas.com.br/zygmunt-bauman-frases/. Acesso
em 25/06/2020.