No trecho abaixo de O cortiço, de Aluísio Azevedo, o capoeirista Firmo e o português
Jerônimo disputam a atenção da mulata Rita Baiana.
“A noite chegou muito bonita, com um belo luar de lua cheia, que começou ainda com o
crepúsculo; e o samba rompeu mais forte e mais cedo que de costume, incitado pela grande
animação que havia em casa do Miranda.
Foi um forrobodó valente. A Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa; estava inspirada!
divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade!
Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de
pomba no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam
com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num
desespero de luxúria que penetrava até ao tutano como línguas finíssimas de cobra.
Jerônimo não pôde conter-se: no momento em que a baiana, ofegante de cansaço, caiu exausta,
assentando-se ao lado dele, o português segredou-lhe com a voz estrangulada de paixão:
- Meu bem! se você quiser estar comigo, dou uma perna ao demo! […]
Jerônimo era alto, espadaúdo, construção de touro, pescoço de Hércules, punho de quebrar
um coco com um murro: era a força tranquila, o pulso de chumbo. O outro – franzino, um
palmo mais baixo que o português, pernas e braços secos, agilidade de maracajá: era a força
nervosa; era o arrebatamento que tudo desbarata no sobressalto do primeiro instante. Um, sólido
e resistente; o outro, ligeiro e destemido, mas ambos corajosos.”