O cartão do estacionamento
Sou meio avoada, às vezes esqueço onde larguei as chaves, os óculos, mas, até aí, quem não? Nada se compara, no entanto, com a relação que tenho com aquele pequeno papel cuspido por máquinas a fi m de liberar a entrada nos estacionamentos de supermercados e shoppings. Pego o tíquete e largo no console do carro. Ou pego e largo em cima do painel. Ou pego e jogo dentro da bolsa. Tudo da mesma forma mecânica como ele me foi entregue, pá pum, e bora entrar no prédio a fi m de encontrar logo uma vaga.
Depois de algumas voltas, a sinalização verde em cima de uma vaga indica: liberada, é sua. Então, estaciono. E a partir daí a história de terror pode ter vários roteiros.
1) Eu esqueço a droga do tíquete dentro do carro. Vou ao cinema, vou às compras, faço o que tenho que fazer e então retorno para o carro e reparo que o tíquete ficou ali. Com ódio de mim, lá vou eu de novo para dentro do shopping ou do supermercado a fim de validá-lo para a saída. Perdi minutos que não tenho para desperdiçar.
2) Eu esqueço a droga do tíquete dentro do carro. Vou ao cinema, vou às compras, faço o que tenho que fazer e então retorno para o carro e NÃO reparo que o tíquete ficou ali. Ligo o carro, dirijo até a cancela e só então me dou conta de que não validei o tíquete, e já tem outro carro atrás de mim fazendo sinal de luz ou buzinando histérico. Não podendo dar ré, tenho que encontrar uma rota de fuga lateral ou então chamar alguém pra me ajudar e aí não estou mais com ódio de mim, e sim desejando a extinção da humanidade.
MEDEIROS, Martha. Disponível em< http://www.revistadonna.clicrbs.com.br/noticia/martha-medeiros-o-cartaoestacionamento> Acessado em: 08/11/2016 (fragmento)