[...] a alegria
Seu sintoma mais bonito é nos jogar para fora, de
encontro ao mundo e a nós mesmos
IVAN MARTINS
A alegria vem de dentro ou de fora de nós?
A pergunta me ocorre no meio de um bloco de
carnaval, enquanto berro os versos imortais de
Roberto Carlos, cantados em ritmo de samba: “Eu
quero que você me aqueça neste inverno, e que tudo
mais vá pro inferno”.
Estou contente, claro. Ao meu redor há um grupo
de amigos e uma multidão ruidosa e colorida. Ainda
assim, a resposta sobre a alegria me ilude. Meu
coração sorri em resposta a essa festa ou acha
nela apenas um eco do seu próprio e inesperado
contentamento?
Embora simples, a pergunta não é trivial. Se sou
capaz de achar em mim a alegria, a vida será uma. Se
ela precisa ser buscada fora, permanentemente, será
outra, provavelmente pior.
Penso no amor, fonte permanente de júbilo e
apreensão.
Quando ele nos é subtraído, instala-se em nós
uma tristeza sem tamanho e sem fim, que tem o rosto
de quem nos deixou. Ela vem de fora, nos é imposta
pelas circunstâncias, mas torna-se parte de nós.
Um luto encarnado. Um milhão de carnavais seriam
incapaz de iluminar a escuridão dessa noite se não
houvesse, dentro de nós, alguma fonte própria de
alegria. Nem estaríamos na rua, se não fosse por
ela. Nem nos animaríamos a ver de perto a multidão.
Ficaríamos em casa, esmagados por nossa tristeza,
remoendo os detalhes do que não mais existe. Ao
longe, ouviríamos a batucada, e ela nos pareceria
remota e alheia.
Nossa alegria existe, entretanto. Por isso somos
capazes de cantar e dançar quando o destino nos
atinge.
Nossa alegria se manifesta como força e teimosia:
ela nos põe de pé quando nem sairíamos da cama.
Ela se expõe como esperança: acreditamos que o
mundo nos trará algo melhor esta manhã; quem sabe
esta noite; domingo, talvez. Ela nos torna sensível à
beleza da mulher estranha, ao sorriso feliz do amigo,
à conversa simpática de um vizinho, aos problemas
do colega de trabalho. Nossa alegria cria interesse
pelo mundo e nos faz perceber que ele também se
interessa por nós.
Por mínima que seja, essa fonte de luz e energia
é suficiente para dar a largada e começar do zero.
Um dia depois do outro. Todos os dias em que seja
necessário.
Quando se está por baixo, muito caído, não é fácil
achar o interruptor da nossa alegria. A gente tem a
sensação de que alegria se extinguiu e com ela o
nosso desejo de transar e de viver, que costumam
ser a mesma coisa. Mas a alegria está lá - feita de
boas memórias, do amor que nos deram, do carinho
que a gente deu aos outros. Existe como presença
abstrata, mas calorosa, que nos dirige aos outros,
que nos faz olhar para fora. É isso a alegria: algo de
dentro que nos leva ao mundo e nos permite o gozo e
a reconhecimento de nós mesmos, no rosto do outro.
Empatia e simpatia. Amor.
Se a alegria vem de dentro ou de fora? De dentro,
claro. Mas seu sintoma mais bonito é nos jogar para
fora, de encontro à música e à dança do mundo, ao
encontro de nós mesmos.
Adaptado de http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/02/dentro-de-nos-balegriab.html