SOLIDÃO INTERATIVA
Ronaldo Coelho Teixeira
A primeira vez que vi esse termo foi por
meio de um jeca superjóia: Juraildes da Cruz.
Tocantino de Aurora, radicado em Goiânia, Goiás
e um dos maiores compositores contemporâneos
brasileiros. Não seria pra menos! Afinal, foi ele
quem criou o hit que Genésio Tocantins espalhou
pelo Brasil por meio do Domingão do Faustão, na
TV Globo, em 1999. “Nóis é jeca, mas é joia”, aquele
da farinhada, feita da mandioca, da macaxeira ou
do aipim, a depender da região brasileira. Sacada
de mestre, de quem está sempre antenado ao
mundo e aos seus. Juraíldes da Cruz em sua letra,
visionária – como tudo o que os gênios, as antenas
da raça fazem – já arrepiava: “Tiro o bicho de pé
com canivete, mas já tô na internet”. E isso quando
a www ainda engatinhava.
Mas com esse achado que agora evoco aqui,
o artista quer mesmo é alertar para o mau uso
das tecnologias, sobre coisas que o homem cria,
mas que geralmente acaba escravo delas. Solidão
interativa foi cunhado pelo sociólogo francês
Dominique Wolton. Em sua tese, o autor alerta
quanto ao cuidado para com o uso da internet,
principalmente das redes sociais, chamando
a atenção para um detalhe vital no avanço das
tecnologias de comunicação: não importam formas
e meios de expressão, a comunicação humana não
foi, não é e nunca será algo tão simples, sempre vai
conter grandeza e dificuldade.
Wolton justifica-se dizendo que a internet é
incrível para a comunicação entre pessoas e
grupos que tenham os mesmos interesses, mas
está longe de ser uma ferramenta de comunicação
de coesão entre pessoas e grupos diferentes. E
que por isso, a internet não é uma mídia, mas um
sistema de comunicação comunitário. Ele prova
isso afirmando que podemos passar horas, dias na
internet e sermos incapazes de ter uma verdadeira
relação humana com quer que seja.
A solidão interativa grassa nas redes sociais,
especialmente no facebook. São fotos e fotos
postadas – a maioria – forjando uma felicidade
quando, na verdade, é tudo fake. As mais usuais
são aquelas em que o autor se autofotografa – as
famosas selfies – e sai espalhando-as de um dia
para o outro, quando não, de uma hora para outra.
Tem as gastronômicas. Aquelas em que o autor antes de comer um prato ou uma iguaria especial,
fotografa e já a lança na rede como a dizer que está
podendo. Mas aquela comidinha do dia a dia, a
da vida real, ele jamais vai postar. Ovo frito? Nem
pensar! E aquelas dos momentos felizes? Sim, tem
gente que acha que os seus instantes de lazer e
diversão têm que, obrigatoriamente, ser vistos
por todos. E lá vai um post ao lado do namorado
ou namorada, dos amigos, geralmente com ares
de forçação de barra. Porque a gaiola do tempo,
forjada por nós mesmos, só pode ser aberta pela
chave da felicidade plena.
E tem aquela que é emblemática: a mensagem
em que o internauta revela o status do seu
sentimento. Mas o ápice da solidão interativa está
naquela figura que posta alguma coisa e ela mesma
vai lá e a curte. De dar dó, não?
Temos milhares de ‘amigos’ nessa cornucópia
virtual. Nessa Caixa de Pandora do Século XXI,
eis-nos diante de uma incoerente quimera: o
autoengano. [...]
O autoengano é peça-chave para a nossa
sobrevivência. Mentimos – a partir dos dois meses de
idade – não só para os outros, mas, principalmente,
para nós mesmos. Mesmo protegidos na redoma da
interatividade, continuamos sós, ali, onde apenas
a solidão nos alcança. Enquanto teclamos a torto
e a direito, sugerindo que estamos sempre ON, a
vida verdadeira continua OFF. E nunca nos damos
conta de que, no fim, toda a solidão que nos rodeia,
essa sim, é real. Porque bytes, bits e pixels não
transmitem calor. E o verbo sem o hálito quente é
apenas palavra morta.
Adaptado de:< http://lounge.obviousmag.org/espantalho_lirico/2016/08/solidao-interativa.html >.