Pouco mais de três anos depois do desastre
de Mariana, do qual Minas Gerais ainda luta para
se recuperar, mais um rompimento de barragem
da mineradora Vale assombra o país. Desta vez,
como afirmou o presidente da empresa, Fabio
Schvartsman, o custo ambiental pode até ter sido
menor que o de Mariana, mas o custo humano
foi muito maior. (...) Como é possível que dois
desastres dessas dimensões tenham ocorrido em
um espaço que, para este tipo de situação, pode
ser considerado curto?
Mariana – cuja barragem pertencia à Samarco,
joint-venture entre a Vale e a britânica BHP Billiton
– deveria ter servido de aprendizado, mas todas
as informações que surgiram após o desastre de
Brumadinho mostram que os esforços nem das
empresas responsáveis, nem do Estado brasileiro
foram suficientes para evitar que outro episódio
catastrófico ocorresse. A empresa certamente
sabe que a preservação e a prevenção
compensam; os danos de imagem podem ser
diferentes daqueles que atingem outros tipos
de negócios – o público não pode simplesmente
“boicotar” uma mineradora, por exemplo –,
mas também existem, e a Vale sentiu, nesta
segunda-feira, a perda de seu valor de mercado.
Schvartsman chegou a dizer que a empresa fez
todo o possível para garantir a segurança de suas
barragens depois de Mariana, mas agora se sabe
que “todo o possível” não bastou.
A palavra ausente neste período entre Mariana
e Brumadinho é “responsabilização”. O Ministério
Público Federal denunciou 21 pessoas e as três
empresas (Samarco, Vale e BHP Billiton) pelo
desastre de Mariana, mas ainda não houve
julgamento. A Gazeta do Povo apurou que, das 68
multas aplicadas após a tragédia de 2015, apenas
uma está sendo paga, em 59 parcelas. A demora
para que os responsáveis paguem pela sucessão
de irresponsabilidades que levou ao desastre
certamente não incentiva as mineradoras a manter boas práticas de prevenção de desastres
que possam ir além do estritamente necessário.
Os dados mais estarrecedores, no entanto,
vieram dos relatórios governamentais que
mostram uma inação quase completa do poder
público na fiscalização do estado das barragens
no país. O Relatório de Segurança de Barragens
de 2017, da Agência Nacional de Águas, mostra
que apenas 27% das barragens de rejeitos (caso
tanto de Mariana quanto de Brumadinho) foram
vistoriadas em 2017 pela Agência Nacional
de Mineração. Há 45 barragens com “algum
comprometimento importante que impacte a sua
segurança”. A informalidade é a regra: 42% das
barragens cadastradas nos órgãos de fiscalização
não têm nenhum tipo de documento como outorga,
autorização ou licença. E, nos poucos casos em
que há vistoria, ela é feita por amostragem de
algumas áreas da barragem, o que pode ignorar
pontos críticos. É assim que tanto a barragem de
Fundão, em Mariana, como a da Mina Córrego
do Feijão, em Brumadinho, foram consideradas
seguras. Ainda mais revoltante é a informação
de que a Câmara de Atividades Minerárias da
Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais
aprovou uma ampliação de 70% no complexo
Paraopeba (onde se encontrava a barragem que
estourou em Brumadinho) de forma apressada,
rebaixando o potencial poluidor da operação para
que o licenciamento ambiental pudesse pular
fases.
A atividade mineradora é atribuição da iniciativa
privada, mas a fiscalização é uma obrigação
do Estado. E os relatórios demonstram que o
governo não deu importância a esse trabalho
nem mesmo depois de Mariana. Como resultado
desta omissão coletiva, dezenas, possivelmente
centenas, de vidas perderam-se em Brumadinho.
Mortes que poderiam ter sido evitadas se o caso
de 2015 tivesse levado a uma responsabilização
rápida por parte da Justiça, um trabalho mais
cuidadoso por parte das empresas de mineração
e uma fiscalização abrangente feita pelo governo.
Adaptado de: <https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/brumadinho-mariana-impunidade-e-descaso-6621e4i8qg00dhyqctji1wdh2/>.
Acesso em: 04 abr. 2019.