Leia o seguinte texto e responda à questão.
Agenda para a noite de núpcias
“Senhora Presidente:
Na qualidade de futuro Diretor-Gerente das
empresas dirigidas por V. S., e também na
qualidade de seu futuro genro, submeto à sua
apreciação a seguinte:
Agenda para a Noite de núpcias
1. Os trabalhos terão início às vinte horas na
suíte 1.102 do Hotel Real Navarino. Trata-se de
hotel, e de aposento, habitualmente escolhido por
nubentes para a noite de núpcias. O apartamento
é simpático e acolhedor; há música ambiental,
suave e romântica; uma reprodução de Maja
Desnuda proporciona, particularmente para quem
vem de um ambiente culto e refinado, como é o
caso de sua filha, um sutil estímulo erótico.
Providenciarei champanhe, e do melhor; entrando,
proporei de imediato um brinde. Pretendo que o
efeito inebriante da bebida elimine qualquer
inibição ainda presente na noiva.
2. A seguir, usarei a palavra, fazendo um breve,
mas emocionado retrospecto de um namoro
apaixonado, um noivado ardente; evocarei cenas
pitorescas ou ternas, cômicas ou dramáticas; ao
concluir, abraçarei a noite, declarando
enfaticamente que a amo.
3. Beijar-nos-emos. O beijo será muito
prolongado, da variedade conhecida como ‘de
língua’ na qual, modéstia à parte, sou mestre. Com
este beijo tenho despertado poderosas paixões,
inclusive nas mais frígidas. Ao final desse beijo, pode V. S. crer, sua filha estará gemendo de
prazer.
4. Seguir-se-á a operação de retirada das
roupas. Ajudá-la-ei, transformando este momento
numa ocasião para carícias e elogios: aos belos
seios, à graciosa cintura, às coxas, que de acordo
com Lorca, compararei a peixes movendo-se na
semi-obscuridade. Em seguida me despirei. Ela
poderá constatar que seu noivo é uma bela figura
de macho, alto, forte, bronzeado; e se, ao avistar
o membro viril, soltar uma pequena exclamação,
será, não de susto, mas sim de excitação.
5. Folguedos amorosos. Tomarei a iniciativa,
começando por pequenos e úmidos beijos no
pescoço, na nuca, nas orelhinhas; e nos seios.
Demorar-me-ei a explorar a ponta da língua os
delicados mamilos, passando depois à sucção o
que arrancará a ela, estou seguro, numerosos e
repetidos gemidos de prazer. Descendo,
prosseguirei, via ventre, nos pequenos lábios, que
serão acariciados e sugados. Ela então se renderá
completamente e a levarei nos braços até a cama.
Com a experiência acumulada de muitos anos (em
camas, bancos de automóveis e macegas)
decidirei sobre o momento oportuno para a
penetração.
6. Cópula. Será o momento culminante do
programa. Tenho para mim que será uma cópula
arrebatadora, uma torrente de paixão rompendo
as comportas para, em meio a gemidos de prazer,
culminar num cataclísmico orgasmo: triunfo do
amor!
Cópula realizada, direi, ainda que ofegante,
breves palavras sobre os belos momentos vividos.
Repetirei que a amo, que a amo. E então sono
reparador.
Para a segunda noite, a agenda será
ligeiramente alterada, com introdução de novos
tipos de folguedo, e assim na terceira e na quarta
noites (na quinta não haverá atividades). Ao cabo
de meses um padrão acabará por se estabelecer,
e tudo cairá na rotina. O noivo, contudo, aguardará
ansioso a oportunidade de novas experiências:
outra boca a se beijar, outras coxas a acariciar.
Boca e coxas que poderão ser as suas Senhora
Presidente.”
Retirado de: SCLIAR, Moacyr. Contos reunidos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.