Borderline: o transtorno que faz pessoas irem
do "céu ao inferno" em horas
Tatiana Pronin
Uma alegria contagiante pode se transformar em
tristeza profunda em um piscar de olhos porque
alguém "pisou na bola". O amor intenso vira ódio
profundo, porque a atitude foi interpretada como
traição; o sentimento sai de controle e se traduz
em gritos, palavrões e até socos. E, então, bate
uma culpa enorme e o medo de ser abandonado,
como sempre. Dá vontade de se cortar, de beber
e até de morrer, porque a dor, o vazio e a raiva
de si mesmo são insuportáveis. As emoções e
comportamentos exaltados podem dar uma ideia
do que vive alguém com transtorno de
personalidade borderline (ou "limítrofe").
Reconhecido como um dos transtornos mais
lesivos, leva a episódios de automutilação,
abuso de substâncias e agressões físicas. Além
disso, cerca de 10% dos pacientes cometem
suicídio. Além da montanha-russa emocional e
da dificuldade em controlar os impulsos, o
borderline tende a enxergar a si mesmo e aos
outros na base do "tudo ou nada", o que torna as
relações familiares, amorosas, de amizade e até
mesmo a com o médico ou terapeuta
extremamente desgastantes.
Muitos comportamentos do "border" (apelido
usado pelos especialistas) lembram os de um
jovem rebelde sem tolerância à frustração. Mas,
enquanto um adolescente problemático pode
melhorar com o tempo ou depois de uma boa
terapia, o adulto com o transtorno parece alguém
cujo lado afetivo não amadurece nunca.
Ainda que seja inteligente, talentoso e brilhante
no que faz, reage como uma criança ao se
relacionar com os outros e com as próprias
emoções — o que os psicanalistas chamam de
"ego imaturo". Em muitos casos, o transtorno fica
camuflado entre outros, como o bipolar, a
depressão e o uso abusivo de álcool, remédios e
drogas ilícitas.
De forma resumida, um transtorno de
personalidade pode ser descrito como um jeito
de ser, de sentir, se perceber e se relacionar
com os outros que foge do padrão considerado
"normal" ou saudável. Ou seja, causa sofrimento
para a própria pessoa e/ou para os outros.
Enquadrar um indivíduo em uma categoria não é
fácil — cada pessoa é um universo, com
características próprias. [...]
O diagnóstico é bem mais frequente entre as
mulheres, mas estudos sugerem que a
incidência seja igual em ambos os sexos. O que
acontece é que elas tendem a pedir mais
socorro, enquanto os homens são mais
propensos a se meter em encrencas, ir para a
cadeira ou até morrer mais precocemente por
causa de comportamentos de risco. Quase
sempre o transtorno é identificado em adultos
jovens e os sintomas tendem a se tornar
atenuados com o passar da idade.
Transtornos de personalidade são diferentes de
transtornos mentais (como depressão,
ansiedade, transtorno bipolar, psicose etc.),
embora seja difícil para leigos e desafiante até
para especialistas fazer essa distinção, já que
sobreposições ou comorbidades (existência de
duas ou mais condições ao mesmo tempo) são
muito frequentes. Não é raro que o borderline
desenvolva transtorno bipolar, depressão,
transtornos alimentares (em especial a bulimia),
estresse pós-traumático, déficit de
atenção/hiperatividade e transtorno por abuso de
substâncias, entre outros. [...]
O paciente borderline sofre os períodos de
instabilidade mais intensos no início da vida
adulta. Há situações de crise, ou maior
descontrole, que podem até resultar em
internações porque o paciente coloca sua própria
vida ou a dos outros em risco. Por volta dos 40
ou 50 anos, a maioria dos "borders" melhora
bastante, probabilidade que aumenta se o
paciente se engaja no tratamento. [...]
A personalidade envolve não só aspectos
herdados, mas também aprendidos, por isso a
melhora é possível, ainda que seja difícil de
acreditar no início. Se a psicoterapia é
importante para ajudar o bipolar a identificar uma
virada e evitar perdas, no transtorno de
personalidade ela é o carro-chefe do tratamento.
[...]
Medicamentos ajudam a aliviar os sintomas
depressivos, a agressividade e o perfeccionismo
exagerado, e são ainda mais importantes
quando existe um transtorno mental associado.
Os fármacos mais utilizados são os
antidepressivos (flluoxetina, escitalopram,
venlafaxina etc.), os estabilizadores de humor
(lítio, lamotrigina, ácido valproico etc.), os
antipsicóticos (olanzapina, risperidona,
quietiapina etc.) e, em situações pontuais,
sedativos ou remédios para dormir (clonazepan,
diazepan, alprazolan etc.). Esses últimos
costumam ser até solicitados pelos pacientes,
mas devem ser evitados ao máximo, porque
podem afrouxar o controle dos impulsos, assim
como o álcool, além de causarem dependência.
[...]
Disponível em:
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2018/04/16/borderlinea-doenca-que-faz-10-dos-diagnosticados-cometerem-suicidio.htm.
Acesso em: 04 jan. 2021.