‘Habilidade emocional é o que vai importar no mercado
de trabalho’, diz futurologista britânico
O britânico Ian Pearson não foge de uma polêmica. Em
2018, o futurologista ficou em evidência após declarar que
em 2050 os humanos vão se tornar imortais, por conta dos
avanços na medicina e na tecnologia de tratamento de
doenças hoje incuráveis. Sobre o futuro do trabalho,
Pearson acredita que a automação e a inteligência artificial
vão tornar as funções dos humanos mais focadas em
situações que envolvam um alto grau de inteligência
emocional. “Pode ser que nosso trabalho seja tomar uma
cerveja com um amigo e saber como ele está. Talvez o
Estado até nos pague para isso”, afirma.
Formado em física e matemática, Pearson trabalhou
como futurólogo da empresa de telecomunicações
britânica BT Group de 1991 a 2007, quando fundou sua
empresa de consultoria, a Futurizon. Ele calcula que a taxa
de acerto nas suas previsões seja de 85%. Veja se você
concorda com ele, na entrevista exclusiva ao EstadãoQR:
Como você vê as relações de trabalho nas próximas
décadas?
O que todo mundo prevê, e eu concordo, é que a
automação vai resultar em funções com um foco maior em
habilidades emocionais e sociais e ir acabando
gradualmente com tarefas repetitivas. Um fenômeno que
vai crescer é o chamado “cobots”, o trabalho colaborativo
de humanos com robôs. Enquanto uma máquina
inteligente ou uma inteligência artificial faz as partes chatas
de um trabalho, o humano vai ter mais tempo para se
aprimorar e concentrar esforços nas tarefas que realmente
importam no seu emprego. A não ser que aconteça uma
inovação sem precedentes, acho que pelos próximos 10 a
20 anos a inteligência artificial não vai conseguir realizar
essas tarefas que exigem habilidades essencialmente
humanas. No médio prazo, vejo os humanos saindo das
funções que exigem um QI elevado para as que necessitam
de QE, um quociente emocional, mais apurado.
Essas mudanças no trabalho, mesmo com foco em
inteligência emocional, vão causar desemprego?
Eu comparo essa situação com caixas eletrônicos de
bancos. Quando os primeiros surgiram, muitas pessoas
ficaram receosas e continuaram usando os caixas com
funcionários, mas hoje as pessoas pouco frequentam um
banco. Vai chegar um ponto em que as pessoas vão preferir
a rapidez de uma máquina a um humano e o mercado de
trabalho vai se adaptar. Eu não sou um daqueles
apocalípticos que acha que a inteligência artificial vai
acabar com empregos, porque em um primeiro momento
você vai precisar de pessoas supervisionando a máquina e
o aumento de produtividade por conta dessa automação vai causar uma expansão e, com isso, mais postos de
trabalho.
Como assim expansão de empregos?
No Reino Unido isso acontece, e tenho certeza que aí
no Brasil também, de pessoas que trabalham com uma
espécie de hobby como forma de ganhar um dinheiro a
mais no fim do mês. Eu tenho uma amiga na área de
software que nas horas vagas faz bolos de casamento, mas
isso não chega a ser um negócio por conta de toda a
burocracia que envolve abrir e gerenciar uma empresa.
Com a inteligência artificial cuidando dessa parte
operacional e um sistema automatizado de entregas, via
drones, por exemplo, ela poderia profissionalizar esse
hobby e ganhar mais dinheiro, talvez até contratar alguém
para ajudá-la. Por isso que não vejo com pessimismo a
automação: ela vai garantir mais autonomia para as
pessoas realizarem tarefas que hoje elas não têm tempo
por conta das funções repetitivas no dia a dia.
Quais habilidades serão essenciais para o trabalhador do
futuro não perder seu emprego?
Empregos que hoje envolvem um alto nível de
inteligência emocional, como o de enfermeira, que exige
um contato humano de zelo e acolhimento, não vão sumir.
Isso é engraçado porque alguns médicos, principalmente os
da área diagnóstica e alguns cirurgiões, vão acabar ficando
sem função com a automação, mas enfermeiras, que
recebem menos da metade do salário e não têm glamour
como eles, vão continuar empregadas. Por mais avançada
que uma máquina ou inteligência artificial seja, essas
funções que exigem um contato humano são
insubstituíveis. O que é importante salientar é que ninguém
é contratado porque sabe apertar teclas de um computador
muito bem e sim o que ele, como pessoa, traz para o
ambiente de trabalho. Então, hoje se um gerente tem
funções operacionais, ele será mantido em seu emprego
como alguém que vai elevar a produtividade do setor e
checar a parte humana, se os colegas de trabalho estão
bem e se precisam de alguma coisa.
Quais empregos vão surgir?
Uma das funções que mais vemos crescer atualmente
são relacionadas de alguma forma a coaching, ensinar
outras pessoas habilidades que elas não sabem ou precisam
de um aprimoramento. Com mais tempo livre por conta da
automação, vamos ter de aprender novas coisas e há uma
categoria profissional se especializando nisso. Não se trata
apenas de ensinar novas habilidades, mas também
aprimorar relações interpessoais e se tornar um líder
melhor. O que nós entendemos como trabalho está
mudando. Pode ser que lá em 2050, quando os
computadores ocuparem a maioria das funções que
desempenhamos hoje, nosso trabalho seja tomar uma
cerveja com um amigo e ver como ele está emocionalmente.
Talvez o Estado nos pague para isso.
(Disponível em:
https://arte.estadao.com.br/focas/estadaoqr/materia/habilidadeemo
cional-e-o-que-vai-importar-no-mercado-de-trabalho-diz-futurologista
britanico. Fragmento. Felipe Laurence e Iander Porcella. 11/07/2019.)