Chuchu
Joanita, em sua última carta escrita de Haia: “Mas que
saudades de chuchu com molho branco”.
Eu sei que toda gente despreza o chuchu, a coisa mais
bestinha que Deus pôs no mundo, cucurbitácea reles que
medra em qualquer beirada de quintal. Não tenho também
nenhuma ternura especial pelo chuchu, mas já reparei que
há uma certa injustiça em considerar insípido um prato que
é insípido só porque raras são as cozinheiras que sabem
prepará-lo.
Sei ainda que os médicos nutricionistas banem o chuchu
de todas as suas dietas, dizem que o chuchu não vale nada, é
uma mistura de água e celulose, desprovida de qualquer
vitamina ou sal. O chuchu é meu eterno pomo da discórdia
com meu querido amigo Dr. Rui Coutinho. Quando ele desfaz
do chuchu em minha presença, salto logo em defesa do
humilde caxixe. Argumento assim: “Antigamente, antes da
descoberta das vitaminas, se dizia o mesmo da alface, mas o
sabor da planta, a boniteza de sua folha verdinha, ou talvez o
instinto secreto da espécie sempre levaram o homem a comer
a aristocrática Lactuca sativa. Um dia se descobriu que a
alface é rica em vitamina A, cálcio e ferro. Então a alface
deixou de ser água e celulose, e entrou nos menus autorizados
e recomendados pelos nutricionistas.
Quem me dirá que um dia, próximo ou distante, não se
descobrirá no chuchu um elemento novo, indispensável à
economia orgânica? O que me parece inexplicável é que os
brasileiros persistamos em comer sem quase nenhum
deleite essa coisinha verde e mole que se derrete na boca
sem deixar vontade de repetir a dose.”
Rui Coutinho sorri cético.
Enquanto isso, na Holanda, Joanita, podendo comer os
pratos mais saborosos do mundo, tem saudade é de chuchu
com molho branco. Que desforra para o chuchu!
(BANDEIRA, Manuel. IN: Quadrante. 2ed. Rio de Janeiro: Ed. Do Autor,
1963.)