A liberdade de expressão e a publicidade
enganosa
Um dos grandes problemas do consumidor na sociedade
capitalista é o de sua dificuldade em se defender publicamente
contra tudo o que lhe fazem de mal. Se ele é enganado, sofre
um dano etc., tem de recorrer aos órgãos de proteção ao consumidor ou contratar um advogado. É verdade que, com as redes sociais da internet e o surgimento de sites de reclamações,
aos poucos, ele vai encontrando um caminho para expressar
sua insatisfação com os produtos e serviços adquiridos e, também, contra toda forma de malandragem existente.
Mas, ainda é pouco diante do poder de fogo de certos
fornecedores que se utilizam de todas as maneiras de comunicação existentes no mercado, tais como publicidade massiva
nas redes sociais, tevês, rádios, nos jornais e revistas ainda
existentes etc., e que fazem promoções milionárias constantemente, que se servem de mídias integradas, se utilizam de artistas e esportistas famosos para divulgar seus produtos (em
confessionais ou por meio de merchandising e participação em
anúncios), enfim, é mesmo uma luta desproporcional.
Muito bem. A liberdade de expressão é uma das mais importantes garantias constitucionais. Ela é um dos pilares da democracia. Falar, escrever, se expressar é um direito assegurado a todos.
Mas, esse direito, entre nós, não só não é absoluto, como
sua garantia está mais atrelada ao direito de opinião ou àquilo
que para os gregos na antiguidade era crença ou opinião
(“doxa”). Essa forma de expressão aparece como oposição ao
conhecimento, que corresponde ao verdadeiro e comprovado. A opinião ou crença é mero elemento subjetivo. A democracia dá guarida ao direito de opinar, palpitar, lançar a público o pensamento que se tem em toda sua subjetividade. Garante também a liberdade de criação.
Todavia, quando se trata de apontar fatos objetivos, descrever acontecimentos, prestar informações de serviços públicos ou oferecer produtos e serviços no mercado, há um limite
que controla a liberdade de expressão. Esse limite é a verdade.
Com efeito, por falar em Grécia antiga, repito o que diziam: “mentir é pensar uma coisa e dizer outra”. A mentira é,
pois, simples assim.
Examinando essa afirmação, vê-se que mentir é algo
consciente; é, pois, diferente do erro, do engano, que pressupõe desconhecimento (da verdade), confusão subjetiva do
que se expressa ou distorção inocente dos fatos.
Em nosso sistema jurídico temos leis que controlam, em
alguns setores, a liberdade de expressão na sua realidade objetiva. Veja-se, por exemplo, a imposição para que a testemunha, ao depor em Juízo, fale a verdade. Do mesmo modo, os
advogados e as partes têm o dever de lealdade processual,
proibindo-se que intencionalmente a verdade dos fatos seja
alterada, adulterada, diminuída, aumentada etc. Esse dever de lealdade – em todas as esferas: administrativa, civil e criminal – é a ética fundamental da verdade imposta a todos.
O mesmo se dá no regime de produção capitalista. Com
base nos princípios éticos e normativos da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulou expressamente a informação e a publicidade enganosa, proibindo-a
e tipificando-a como crime.
No que diz respeito, pois, às relações jurídicas de consumo, a informação e a apresentação dos produtos e serviços,
assim como os anúncios publicitários não podem faltar com a
verdade daquilo que oferecem ou anunciam, de forma alguma,
quer seja por afirmação quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para de maneira confusa ou
ambígua iludir o destinatário do anúncio: o consumidor. A lei
quer a verdade objetiva e comprovada e, por isso, determina
que o fornecedor mantenha comprovação dos dados fáticos,
técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
Aproveito esse ponto para eliminar uma confusão corrente quando se trata de criação e verdade em matéria de relações de consumo: não existe uma ampla garantia para a liberdade de criação e expressão em matéria de publicidade. O
artista goza de uma garantia constitucional de criação para sua
obra de arte, mas o publicitário não.
Um anúncio publicitário é, em si, um produto realizado
pelo publicitário ou coletivamente pelos trabalhadores da
agência. Sua razão de existir se funda em algum produto ou
serviço que se pretenda mostrar e/ou vender. Dessa maneira,
se vê que a publicidade não é produção primária, mas instrumento de apresentação e/ou venda dessa produção. Ora,
como a produção primária de produtos e serviços tem limites
precisos na lei, por mais força de razão o anúncio que dela fala.
Repito: a liberdade de criação e expressão da publicidade está
limitada ao regramento legal. Por isso, não só não pode oferecer uma opinião (elemento subjetivo) como deve sempre falar
e apresentar a verdade objetiva do produto e do serviço e suas
maneiras de uso, consumo, suas limitações, seus riscos para o
consumidor etc. Evidentemente, todas as frases, imagens, sons
etc. do anúncio publicitário sofrem a mesma limitação.
Além disso, é de considerar algo evidente: o anúncio será
enganoso se o que foi afirmado não se concretizar. Se o fornecedor diz que o produto dura seis meses e em dois ele está
estragado, a publicidade é enganosa. Se apresenta o serviço
com alta eficiência, mas o consumidor só recebe um mínimo
de eficácia, o anúncio é, também, enganoso etc. Enfim, será
enganoso sempre que afirmar algo que não corresponda à realidade do produto ou serviço de acordo com todas as suas características.
As táticas e técnicas variam muito e todo dia surgem novas, engendradas em caros escritórios modernos onde se
pensa frequentemente em como impingir produtos e serviços
iludindo o consumidor.
(Rizzatto Nunes. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/abc-do-cdc/387046/a-liberdade-de-expressao-e-a-publicidade-enganosa. Acesso em: 25/05/2023.)