Preservar a saúde mental compensa,
e não só para o bolso
Mais do que melhorias socioeconômicas, investir em saúde
mental é questão moral.
O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS),
Tedros Adhanom Ghebreyesus, é assertivo ao dizer que saúde
mental não é algo independente, isolado: está inextricavelmente
ligada à saúde pública, a direitos humanos e a desenvolvimento
socioeconômico, o que significa que, para quem sofre de algum
transtorno mental —um bilhão de pessoas no mundo, de acordo
com anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2022,
com 25% de crescimento global no primeiro ano da pandemia de
Covid-19 — recorrer a atendimento médico especializado é medida necessária, mas não suficiente.
Desigualdades socioeconômicas também pesam, e muito
— se o que se pretende é chegar a uma realidade que não seja
intolerável para um número enorme e crescente de pessoas.
Pobreza, violência física e preconceitos de gênero afetam
a saúde mental de adolescentes — mostrou uma pesquisa recente da ONG Plan International. Emprego, ensino, saneamento
básico, acesso a serviços de saúde de qualidade são componentes de uma vida digna, que não deveriam faltar a ninguém. Providenciá-los, porém, exige políticas públicas estruturantes que
minimizem (mirando na eliminação completa) a pobreza extrema. É meta da Organização das Nações Unidas (ONU) ver
dissociados crescimento econômico e pobreza, com esta última
sendo erradicada até 2030.
Mas em uma escala mais “micro”, há um outro obstáculo a vencer também: o tabu que estranha e irritantemente
marca a busca por ajuda psicológica. Soa mesmo a crueldade
que pessoas que encontram no recurso à terapia e a um
psicólogo alívio para as angústias que sofrem sejam alvo de
preconceito justamente por buscar essa ajuda. Isso vem deixando de acontecer aos poucos, e não seria nada mau que
pudesse acontecer um pouco mais rápido. Isso, no entanto,
envolve uma mudança de cultura: é preciso deixar de se ver
terapia como serviço de luxo ou frivolidade e quem a procura
como pessoas fracas.
As empresas já entenderam que investir em programas
de ajuda psicológica para seus quadros é algo que se reverte
em ganho para elas mesmas. Uma pesquisa da FIEMG (Federação das Indústrias de Minas Gerais) mediu e divulgou
recentemente que transtornos mentais derrubam o faturamento das empresas em mais de 390 bilhões de reais a cada
ano e, na economia como um todo, a perda chega a 4,7% do
PIB. Preservar o bem-estar mental de colaboradores é pensar
em saúde financeira para as empresas.
Pensar no preço, mais que no valor, é marca de cinismo,
como diria Oscar Wilde. No mundo pós-Covid, todos tivemos a
sanidade afetada. Muitas telas diante dos olhos muitas horas
por dia; expedientes que se espalham pelo dia todo; uma
sensação de irrealização que invade tantos, seja na vida pessoal,
no trabalho, nos estudos. Há muito a pressionar a saúde mental
— que nunca foi um luxo, pelo contrário. Se governos e empresas aproveitarem o momento em que o tema está no centro das atenções para agir, poderemos não só ver ganhos econômicos,
mas também — e o que tem muito mais valor — uma abertura
para que as pessoas não vivam sob permanente risco de depressão, ansiedade e outros transtornos, e capazes de encontrar o
caminho para viverem realizadas e felizes.
(Cláudio Lottenberg. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/
coluna-claudio-lottenberg/preservar-a-saude-mental-compensa-e-naoso-para-o-bolso. Acesso em: 06/06/2023.)