Escolas precisam compreender que o letramento é mais amplo que a alfabetização
No Brasil, tanto as escolas públicas, como as particulares e as políticas públicas ainda partem da alfabetização para o letramento.
Em suas pesquisas sobre o diálogo entre educação e linguística, Filomena Elaine Paiva Assolini alerta há alguns anos que o
trabalho deveria ser feito de maneira inversa para, assim, considerar os saberes adquiridos fora da escola. Ela é pós-doutora pela
Unicamp e docente desde 2005 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
“Os educadores precisam ter em mente é que o letramento é mais amplo que a alfabetização, sendo ela um dos aspectos
do letramento. Quando consideramos o letramento, que é coletivo, entende-se que o sujeito possui saberes sobre a escrita
independentemente do contexto escolar e da educação formal, porque ele está inserido em uma sociedade letrada. Então se a
escola partisse do letramento, ela conseguiria se aproximar mais dos alunos e teria condições favoráveis para que eles expusessem os seus saberes sobre a escrita e sobre as diferentes linguagens”, explica a professora.
Elaine complementa que a escola ainda insiste em trabalhar com o método silábico e com o método fonético de maneira descontextualizada. “Ainda há o entendimento de que a psicogênese da língua escrita é o que há de mais novo, mais recente e melhor
para o entendimento do processo de alfabetização, mas, com todo respeito às contribuições de Emília Ferreiro, Ana Teberosky e Telma
Weisz, já são ultrapassadas, serviram para aquele momento. Hoje entende-se que as fases pelas quais o sujeito passa não são tão
lineares, redondinhas. Bom se fossem.”
O posicionamento de Elaine conversa com as pesquisas e livros da grande Magda Soares, que frisou em vida a importância
de olhar para os vários métodos e respeitar o conhecimento que a realidade individual e/ou local do estudante traz. Outro
ponto da professora da USP é que as escolas tendem a considerar apenas a fase inicial da alfabetização, com isso, restringindo
esse papel a apenas um professor. “Não se considera o que a criança traz: suas experiências e linguagens com as quais ela pode
ter convivido antes de entrar na escola.”
Um caminho que a escola pode adotar é trazer na produção linguística oral ou escrita a subjetividade do educando e assim
permitir falar de si, das dores, angústias, desejos e acontecimentos, sugere Elaine, que também é coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas Sobre Alfabetização, Leitura e Letramento, (GEPALLE), regulamentado no CNPq. As atividades lúdicas, indica, também são outra possibilidade para o educador. “Só que elas ainda encontram resistência em algumas escolas sustentadas pelos pilares conteudistas, livrescos e avaliativos.”
No século 21, com a internet presente cada vez mais no dia a dia, Elaine reforça que a sociedade é multiletrada e isso precisa ser
considerado no processo de ensino e aprendizagem.
“Alfabetizar não é codificar. Crer o contrário é ultrapassado, medieval e não serve mais para a criança de hoje, que vive em uma
sociedade multissemiótica. Qualquer videozinho do TikTok de 10 segundos mostra isso: tem a linguagem escrita da legenda, a linguagem musical, a linguagem icônica. Então ser alfabetizado envolve sim conhecer o código escrito, mas envolve também saber compreender e saber interpretar. E um dos graves problemas é que o brasileiro não sabe interpretar. As crianças brasileiras têm muita
dificuldade em lidar com poesia, com metáforas, basta você ver as análises, as provas. Seria um grande salto promover a compreensão
textual, mas ir além e interpretar também.”
Com as fake news a todo vapor, essa interpretação se torna ainda mais fundamental para o educando não cair na manipulação
e ter a sua tão falada autonomia fortalecida. Elaine Paiva diz observar por meio de suas pesquisas que uma escola quando é boa,seja
pública ou particular, o aluno aprende a compreender. Mas é preciso ir além.
“A sociedade contemporânea exige um sujeito que saiba interpretar. Para isso, ele precisa entender que os acontecimentos e
os dizeres das palavras possuem outros modos de interpretação, sendo que alguns predominam e ele também precisa entender o
motivo de um e outro predominarem… Eu não posso interpretar desconsiderando que somos sujeitos socio-históricos, que estamos
inseridos em uma cultura que tem suas ideologias, preferências e características. Porque falamos a partir desse lugar social que
ocupamos. Então eu não posso sair interpretando da maneira como eu quero.”
As orientações de Elaine Paiva tendem a ser propícias, inclusive, para detectar questões de saúde mental e problema familiar,
já que o professor é um interlocutor privilegiado dos seus alunos. “Já dei aula na educação infantil, fundamental e médio. Os alunos
me contavam coisas por meio de textos que nunca contaram para o pai, mamãe, irmão.”
(Laura Rachid. Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2023/05/09/letramento-e-alfabetizacao-bett/. Acesso em: 03/07/2023. Fragmento.)