Dona Leonor
Começou na mesa de almoço. De repente, a mãe virou-se para um lado, sorriu e disse:
– Quero o melhor para minha família. Por isto, na nossa
mesa, só usamos o arroz integral Rizobom.
O pai virou-se rapidamente para ver com quem ela
estava falando naquele tom tão estranho e não viu ninguém.
O filho e a filha se entreolharam.
– O que foi, Leonor? – perguntou o marido.
– Ficou doida, mãe?
Mas dona Leonor não respondeu. Parecia perdida em pensamento. Mais tarde o pai entrou na cozinha e encontrou dona
Leonor segurando uma lata de óleo à altura do rosto e falando
para uma parede:
– Leonor...
Sem deixar de fitar o mesmo ponto na parede e sem parar
de sorrir, dona Leonor indicou o marido com a cabeça e disse:
– Eles vão gostar.
O marido achou melhor não dizer nada. Nunca vira dona
Leonor assim. Talvez fosse melhor chamar um médico. Abriu a
geladeira à procura de uma cerveja. Dona Leonor postou-se ao
lado da geladeira e abriu ainda mais a porta. Parecia estar se
dirigindo a uma plateia invisível.
– Minha família não para de vir aqui. É o ponto de encontro
de nossa casa. E todos encontram tudo o que procuram na nova
Supergel Espacial, agora com prateleiras superdimensionadas e
gavetas em vidro-glass. Supergel Espacial, a cabetudo.
Pai e filhos reuniram-se para uma conferência secreta.
O que estava acontecendo com dona Leonor?
Decidiram não fazer nada. Ela estava nervosa, era isto. Mas
não parecia nervosa. Ao contrário. Nunca estivera tão sorridente. Não passava pelos filhos ou pelo marido sem fazer um
comentário alegre e afetuoso para o lado:
– Ele passou a usar desodorante Silvester. E agora todos
aqui em casa respiram aliviados.
O filho estava escovando os dentes e levou um susto.
Dona Leonor entrou no banheiro, de repente, pegou o tubo
de pasta de dentes e começou a falar para o espelho.
– O Jorginho tinha horror de escovar os dentes. Eu não
sabia o que fazer até que o dentista me disse a palavra mágica: Zaz. E a mágica funcionou! Não é, Jorginho?
– Mamãe, eu...
– Diga você também a palavra mágica. Zaz! Com H30.
Deitado na cama, o marido assistiu com alguma inquietação enquanto dona Leonor, sentada em frente ao espelho do
seu toucador, passava creme no rosto e falava para sua plateia
imaginária:
– “Forever” não é apenas um creme hidratante. “Forever”
devolve à sua pele aquele frescor que o tempo levou e que
parecia perdido para sempre. Recupere o tempo perdido com
“Forever”.
Dona Leonor dirigiu-se para a cama, deixando cair seu
robe de chambre no caminho. Deslizou para dentro dos lençóis
e beijou o marido na boca. Depois, apoiando-se num braço,
dirigiu-se para a câmera invisível.
– Ele não sabe, mas os lençóis são da nova linha passional
da Santex. Bons lençóis para maus pensamentos. Passional da
Santex. Agora, tudo pode acontecer...
Dona Leonor abraçou o marido. Ele recebeu os carinhos
da mulher com apreensão e surpresa.
No dia seguinte certamente a levaria a um médico. Mas,
por enquanto, resolveu aproveitar. Fazia tempo. Também abraçou a mulher. Não sem antes olhar, preocupado, para o ponto
da suposta câmera e apagar a luz. Prudentemente.
(VERISSIMO, Luis Fernando. Novas comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 231-233.)