Amor de Passarinho
Desde que mandei colocar na minha janela uns vasos de
gerânio, eles começaram a aparecer. Dependurei ali um
bebedouro, desses para beija-flor, mas são de outra espécie
os que aparecem todas as manhãs e se fartam de água açucarada, na maior algazarra. Pude observar então que um deles
só vem quando os demais já se foram.
Vem todas as manhãs. Sei que é ele e não outro por um
pormenor que o distingue dos demais: só tem uma perna.
Segundo o dicionário, trata-se de “uma ave passeriforme de
coloração verde-azeitonada em cima e amarela embaixo”. Na
realidade, é uma graça, o meu passarinho perneta.
Ao pousar, equilibra-se sem dificuldade na única perna,
batendo asas e deixando à mostra, em lugar da outra, apenas
um cotozinho. É de se ver as suas passarinhices no peitoril da
janela, ou a saltitar de galho em galho, entre os gerânios, como
se estivesse fazendo bonito para mim. Às vezes se atreve a passar
voando pelo meu nariz e vai-se embora pela outra janela.
Enquanto escrevo, ele acaba de chegar. Paro um pouco e
fico a olhá-lo. Acostumado a ser observado por mim, já está perdendo a cerimônia. Finge que não me vê, beberica um pouco a
sua aguinha, dá um pulo para lá, outro para cá, esvoaça sobre
um gerânio, volta ao bebedouro apoiando-se num galho. Mas
agora acaba de chegar outro que, prevalecendo-se da superioridade que lhe conferem as duas pernas, em vez de confraternizar, expulsa o pernetinha a bicadas, e passa a beber da sua água.
A um canto da janela, meio jururu, ele fica aguardando os acontecimentos, enquanto eu enxoto o seu atrevido semelhante.
Quer dizer que até entre eles predomina a lei do mais forte! De
novo senhor absoluto da janela, meu amiguinho volta a bebericar e depois vai embora, não sem me fazer uma reverência de
agradecimento.
Desde então muita coisa aconteceu. Para começar, a comprovação de que não era amiguinho e sim amiguinha – segundo
me informou o jardineiro: responsável pelos gerânios e pelo
bebedouro, seu Lorival entende de muitas coisas, e também do
sexo dos passarinhos.
Só de uns dias para cá deixou de vir. Fiquei apreensivo,
pois a última vez que veio foi num dia de chuva, estava toda
molhada, as peninhas do peito arrepiadas. Talvez tivesse adoecido. Não sei se passarinho pega gripe ou pneumonia. Segundo me esclareceu Rubem Braga, o sádico, costuma morrer
de gato. Ainda mais sendo perneta.
(SABINO, Fernando. As melhores crônicas. Ed. Record – 2000.
Adaptado.)