Uma certeza já tenho para o ano que entra: me tornarei
mais burro. À medida que os anos passam, minha capacidade
de adaptação à realidade se torna menor. Brinco chamando
de burrice, porque a questão é mais profunda. Sou da geração
que está com 60 anos. É quase impossível acompanhar o
mundo. Já nem sei quantas reformas ortográficas ocorreram
durante meu tempo de vida. Foram algumas, e eu teria me
adaptado, se não houvesse exceções em todas elas. Caem
acentos, mas em alguns casos permanecem. Hífens sobrevivem. E assim por diante. Já me conformei, nunca mais escreverei de maneira tão perfeita quanto antes.
Também aposto, e isso já é uma certeza, que surgirão
inovações tecnológicas que não observarei. Gente, sou da
época da máquina de escrever. Não tenho saudades, o computador é mais prático. Mas tudo faz tanta coisa, que já não
sei como me virar. São programas e mais programas capazes
de resolver minha vida, se eu soubesse lidar com eles. Basicamente, continuo usando a máquina para escrever textos,
enviar e-mails. Há mais ou menos 30 anos, quando o computador doméstico começou a ser usado no país, eu me orgulhava de ser um precursor. Entre meus amigos, fui o primeiro a comprar um. Hoje, surge uma novidade por minuto.
Mas eu sonho com um celular que faça e receba ligações,
apenas isso. Um computador que sirva para criar e enviar
textos, não mais. Aparelhos simples, em que eu possa mexer
sem correr o risco de danos cerebrais.
Mas o mundo caminha noutra direção – e isso não é
uma aposta. É uma certeza. Conto os dias para o lançamento
do robô doméstico. Vai chegar, e não falta muito. As grandes
montadoras do Japão estão de olho nesse mercado. Há anos
apostam no produto. Já cheguei a ver um que serve cafezinho, em Tóquio. Alguns robôs específicos já fritam hambúrgueres. Há um aspirador de pó robotizado. Pensa-se em
“cuidadores”, que acompanhem e deem medicação a pessoas doentes.
Entre minha dificuldade para acompanhar toda essa
tecnologia e as surpresas que ela oferecerá, fica a última
aposta. Há alguns anos, numa conferência no Japão, conheci
o trabalho de um gênio que tentava criar robôs capazes de
agir em grupo e de reagir ao meio ambiente. Mas... isso não
é mais ou menos o que somos? Não se tratará, de fato, de
uma nova espécie? Tudo isso me assusta um pouco, afinal
somos nós que decidiremos como usar a revolução tecnológica em larga escala.
(Walcyr Carrasco. Revista Época. Em: dezembro de 2013. Adaptado.)