Tempo
Filtrava-se como se pudesse se esquivar da fúria do tempo. A fúria das horas. A fúria que aflora nas horas de solidão. Era
inócua aos seus medos. Mas determinada diante dos seus objetivos.
Costumava caminhar, e às vezes, percebendo ou não, deixava restos do que ficou e do que sonhava para trás. Pensava, inerte:
e se eu voltar? Voltaria, se pudesse? Voltaria, se quisesse? Podia e, vez ou outra, queria. Mas o que ganharia? Não se constroem
castelos com pedaços do que ficou. Do que se jogou, justamente por julgar, num momento de inspiração, um peso morto.
Mas o medo do fim teve fim. Findou-se numa tarde em que o sol se apagou. Num lapso, faltou-lhe ar. Estranhamente, não
um sorriso. O mundo veio abaixo. Mas ela não. Nem ela, nem sua pele, nem seus objetivos. O mundo em pó. E ela, só. Mas não
tão só. Olhou ao redor. Figuras emergindo das cinzas escuras. Viu-se naqueles rostos. Naqueles olhos confiantes. Naqueles
sorrisos de alívio. Pela primeira vez, não se sentiu ameaçada. A ameaça e o tempo não mais andavam de mãos dadas. Desatada,
ela conseguiu enfim encarar o futuro.
Naquele dia, fez as pazes com o tempo.
(MARTINZ, Juliano. Tempo. Corrosiva – crônicas corrosivas e gestos de amor, 2010.)