Quando eu estiver louco, afaste-se
Há que se respeitar quem sofre de depressão, disritmia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda psicanalítica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em
suas relações profissionais e pessoais. Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência. Mas tem um grupo que está longe de
ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles. São os temperamentais
que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica – ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico.
São morrinhas, apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um
gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?
Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace / Quando eu
estiver louco, subitamente se afaste / Quando eu estiver fogo / suavemente se encaixe...”. A letra é poética, sem dúvida, mas
é o melô do folgado. Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura.
Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém
difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?
Já fui muito boazinha, lembro bem.
Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos. Já
gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por
cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando – e claro que esses “outros” são seus afetos
mais íntimos, pois com amigos e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de
mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?
Chega-se numa etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais.
Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo? Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em
suas relações. Já que ficam loucos a torto e a direito, só nos resta nos afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas e que não desperdiçam nosso tempo com draminhas repetitivos, dos quais já se conhece o final: sempre sobra para nós, os fáceis.
(Martha Medeiros. Revista O Globo. Em: abril de 2014. Adaptado.)