Texto I
Mudança climática reduz neve e altera produção de vinhos na Argentina
Vinícolas e olivícolas de Mendoza adiantam colheita e sobem a montanha em busca de climas mais frescos
Em frente a uma fileira sem fim de oliveiras, Gabriel Guardia, 50, lembra a imagem dos campos cobertos de neve. “Quando
eu era menino, era impossível plantar em alguma áreas”, conta o enólogo, que hoje trocou o cobertor que usava naquela época
pelo ar-condicionado na hora de dormir.
Gabriel cresceu em Mendoza, capital do vinho e do azeite argentinos, que, assim como ele, tem sentido as mudanças
climáticas na pele. Situada sobre um deserto aos pés da Cordilheira dos Andes, a cidade já convive há tantos anos com a falta
de água que nem chama mais sua situação de seca. “Entendemos que estamos numa condição de estresse hídrico, porque já
são 12 anos assim”, diz Sebastian Melchor, coordenador da Agência de Mudança Climática da província. A alta das temperaturas
tem reduzido a neve que deveria cair no alto das montanhas no inverno e derreter na primavera e verão.
A região depende desse degelo para encher os rios, inundar os reservatórios, abastecer a população e irrigar as plantações,
também castigadas por eventos extremos cada vez mais longos, intensos ou frequentes. Por isso, algumas das melhores vinícolas e olivícolas do mundo têm precisado se adaptar. Passaram a adiantar colheitas, plantar em áreas cada vez mais altas em
busca de climas mais frescos e diversificar os tipos de uva para preservar a qualidade das bebidas. Ampliaram ainda o sistema
de irrigação por gotejadores e a impermeabilização de canais a fim de evitar a perda de água – afinal, cada taça de vinho consome
120 litros do recurso.
“A temperatura nessa área antigamente era superextrema, muito fria, agora não é tanto”, diz o também enólogo Gonzalo
Carrasco na centenária Rutini, uma das primeiras a plantar no local. Ele conta que a mudança de altura também atendeu a uma
demanda recente do mercado por vinhos mais frescos e ácidos, não tão fortes.
Com a redução da neve, a região, porém, está chegando ao seu limite. A vinícola teve que aprofundar seus três poços nos
últimos anos em busca de água. Para isso, é preciso passar por um rígido controle do governo provincial, que também é quem
concede e cobra o “direito de rega” aos produtores de acordo com o tamanho das plantações.
Efeitos das mudanças climáticas nos vinhos argentinos