Questões de Concurso Público Prefeitura de Nova Iguaçu - RJ 2024 para Agente Administrativo III

Foram encontradas 10 questões

Q2488667 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
A alternativa em que a oração assinalada expressa oposição é: 
Alternativas
Q2488668 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Considerando o contexto em que as palavras grifadas estão inseridas, a palavra indicada não mantém o mesmo sentido em:
Alternativas
Q2488669 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
“Buganvílias”, um texto digno de figurar em qualquer antologia poética, fala de natureza, mas não de um mero estado de contemplação. Assim, ao falar de todo esse dilúvio de escarlate, o cronista está atento à íntima relação entre a vegetação e a dona da casa e da trepadeira; às florinhas que caem nas panelas da cozinheira e às raízes e aos alicerces que se entrelaçam. É possível inferir que há uma intertextualidade implícita no seguinte fragmento em relação ao poema de Castro Alves: 
Alternativas
Q2488670 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Metáfora é uma figura de linguagem em que se transfere o nome de uma coisa para outra com a qual é possível estabelecer uma relação de comparação. A relação de semelhança entre dois termos ocasiona uma transferência de significados, estabelecida através de uma comparação implícita. Há um exemplo de metáfora em:
Alternativas
Q2488671 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Assinale, a seguir, a transcrição textual cujo acento da crase foi empregado por se tratar de uma expressão adverbial.
Alternativas
Q2488672 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Está em desacordo com o texto: 
Alternativas
Q2488673 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Podemos afirmar que o cronista usa, no desenvolvimento literal, o seguinte recurso argumentativo, a fim de assegurar a confiabilidade da narrativa:  
Alternativas
Q2488674 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Em “E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas.” (4º§), o uso do termo “pois” indica um valor: 
Alternativas
Q2488675 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)

Levando-se em consideração que o autor precisa construir uma argumentação baseada em dados e informações confiáveis para demonstrar a validade do seu ponto de vista, em qual das citações relacionadas a seguir está expressa uma opinião do articulista do texto?

Alternativas
Q2488676 Português
Buganvílias



         Nossa casa é antiga, embora não secular – explicava-me aquela senhora – e o senhor sabe como essas construções antigas têm pé direito alto, um despropósito. Nossos dois andares enfrentam bem uns três dos edifícios vizinhos. Isso lhe dará ideia da altura de minhas buganvílias, pois as raízes delas se misturam com os alicerces, e temos praticamente dois telhados: o comum, e esse lençol rubro de flores, quando vem pintando a primavera.

        Não, não pense que as flores cobrem o telhado: elas formam o seu teto especial, no terraço, dominando a pérgula – e a boa senhora sorriu – que o antigo proprietário fez questão de construir, para dar um ar meio silvestre, meio parnasiano, àquela superfície árida de ladrilhos. Nossa casa está longe de ser bonita, embora eu goste muito dela; e quando as buganvílias funcionam a todo vapor, na florescência, não imagina como a nossa modesta alvenaria se transforma numa coisa espetacular, todo aquele dilúvio de escarlate que a brisa do Brasil beija e balança, os ladrilhos também se deixam atapetar de florinhas, e até o cãozinho, indo brincar no terraço, costuma voltar trazendo no pelo branco manchas encarnadas de primavera. Caem florinhas nas panelas da cozinheira, cá embaixo, e se a gente deixar entreaberta a janela do banheiro, pode tomar seu banho de Bougainvillea spectabilis willd, ou que nome tenha; sei que é uma nictaginácea, ouviu?

        Tudo isso é simpático, mas tem seus inconvenientes. Quando nos instalamos, um mestre de obras ponderou: “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras. Veja como os troncos encorparam, e como as paredes vão trincando. A raiz está abalando tudo”. Não tive coragem de matar uma planta de Deus, aliás duas, subindo lado a lado, confundindo lá em cima os galhos e fazendo de nossa casa uma coisa diferente, no cinzento da Zona Sul (os moradores dos edifícios garantem que, vista do alto, a casa vale muito mais do que vista da rua, por causa das buganvílias, que fazem bem aos olhos). E depois, já tivemos que sacrificar a goiabeira para abrir mais uma caixa d’água subterrânea, Deus nos perdoe. Não, as buganvílias, não. A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados sob tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!

       Há dias foi engraçado, porque convidamos um casal para almoçar, e já na horinha me lembrei que não tínhamos flores em casa. Fui comprá-las correndo, mas a greve (...) acabara com elas, ou era a própria greve das flores, que pediam aumento de orvalho; não havia uma triste corola à venda. E não era dia de feira no bairro, de sorte que não se podia recorrer a flores de calçada. Voltei de alma ferida, porque se pode trabalhar sem flor, dormir sem flor, mas comer sem flor é desagradável, tira o sal. Estava imersa em vil desânimo, quando me pousou no nariz, trazida pelo vento, a florinha de buganvília, cujos ramos estão explodindo de vermelho, entre pinceladas verdes. Voei ao quarto de depósito, saí de lá brandindo a escada de três metros, e icei-a na pérgula. E com risco de romper o esqueleto, pois escada de casa velha também é velha e desconjuntada, aos olhos divertidos ou indignados da vizinhança, fui ceifando com tesoura aquele mar de florinhas sanguíneas. Enchi duas cestas enormes, e nunca minha casa ficou tão bonita como enfeitada assim à última hora, sem gastar um cruzeiro; o casal ficou encantado, mas que beleza de flor, então eu expliquei que buganvília não tem propriamente flores, tem brácteas, que são folhas iguais às outras, mas valorizadas pelo vermelho. Deu tudo certo, e eu senti que os imensos pés de buganvília me agradeciam e pagavam dessa maneira a decisão de poupar-lhes a vida até a consumação dos séculos – ou da nossa velha casa, que eles vão destruindo poeticamente.


(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1902-1987. Seleta em prosa e verso. Ed. Record, 1994.)
Das orações relacionadas a seguir, indique aquela em que o termo “se” possui o mesmo sentido que em “Eu, se fosse madame, cortava essas trepadeiras.” (3º§) 
Alternativas
Respostas
1: B
2: C
3: A
4: B
5: B
6: C
7: C
8: B
9: B
10: C