A bola
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma
número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal!”. Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando não gostam do
presente ou não querem magoar o velho.
Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
– Como é que liga? – perguntou.
– Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
– Não tem manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.
– Não precisa manual de instrução.
– O que é que ela faz?
– Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.
– O quê?
– Controla, chuta...
– Ah, então é uma bola.
– Claro que é uma bola.
– Uma bola, bola. Uma bola mesmo.
– Você pensou que fosse o quê?
– Nada, não.
O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado,
manejando os controles de um videogame. Algo chamado Monster Ball, em que times de monstrinhos disputavam a posse de
uma bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no
jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina. O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas
embaixadas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.
– Filho, olha.
O garoto disse “Legal” mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mãos e a cheirou, tentando recapturar
mentalmente o cheiro de couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boa ideia, pensou. Mas em
inglês, para a garotada se interessar.
(Festa de Criança, Luís Fernando Veríssimo. São Paulo: Ática, 2002.)