Entenda o que realmente é a Síndrome de Burnout
Herbert J. Freudenberger nasceu em 1926, em Frankfurt, Alemanha. Quando os nazistas ascenderam ao poder, em 1933, sua
família conseguiu enviá-lo aos Estados Unidos com um passaporte falso. Por um tempo, o garoto teve que se virar sozinho, nas
ruas de Nova York, até encontrar abrigo na casa de um primo mais velho. Suas ótimas notas na escola lhe garantiram uma vaga na
Faculdade do Brooklyn, onde cursou psicologia.
Fascinado pelo conceito, e relembrando a época em que ele mesmo dormia na rua, o psicólogo abriu sua própria free clinic
em Nova York, com foco em atender dependentes químicos. Freudenberger conciliava o trabalho voluntário com os atendimentos
em seu consultório, que lhe tomavam 10 horas por dia. Mesmo assim, fazia a dupla jornada todas as noites, de segunda a sexta.
Não demorou para ficar claro que essa rotina não era nada saudável. “Os outros voluntários da clínica apresentavam os
mesmos problemas. Os próprios funcionários procuravam Freudenberger com quadros de “depressão, apatia e agitação”. Quem
era cuidador acabava virando paciente.
Nos anos seguintes, Freudenberger se dedicou a estudar o fenômeno. Mas, antes de tudo, precisava de um nome para esse
padrão de sintomas. A solução foi emprestar uma gíria que era usada por seus próprios pacientes para descrever a sensação
devastadora que o abuso de drogas deixa: “burnout”, do verbo to burn, “queimar”. Em português, significa “esgotamento”. Assim
como um fósforo que queimou até o final, os dependentes químicos se sentiam exauridos, sem energia alguma, na ressaca dos
narcóticos. Como era mais ou menos assim que os profissionais exaustos se descreviam, o psicólogo importou a gíria de rua para
o meio acadêmico.
Freudenberger então começou a procurar pelo que chamava de “burnout ocupacional”. E onde olhava, encontrava. Médicos,
enfermeiros, policiais, professores, bibliotecários – o burnout parecia absolutamente generalizado. Há 40 anos, o termo ainda era
acadêmico. E permaneceu assim por décadas. Falava-se o tempo todo em “estresse”, mas não em algo tão específico quanto o
burnout, o esgotamento causado exclusivamente pelo trabalho.
O termo cunhado por ele está na ponta da língua de todo mundo. Uma pesquisa da Deloitte descobriu que 77% dos trabalhadores americanos afirmam já ter passado por um quadro de burnout, considerando apenas o emprego atual. No começo do
ano, a Organização Mundial da Saúde incluiu oficialmente a Síndrome de Burnout na Classificação Internacional de Doenças (CID-
-11), chamando atenção global para o tema.
Se em 1980 o incêndio parecia “estar se espalhando”, hoje, pelo jeito, já tomou a floresta inteira. Mesmo assim, a pergunta
que Freudenberger fez sobre o porquê do fenômeno segue sem respostas claras.
A ideia de que trabalhar demais causa esgotamento não tem nada de nova. Muito antes de Freudenberger teorizar o burnout,
a medicina já tinha o termo “neurastenia” para descrever quadros de exaustão emocional, muitas vezes ligados a jornadas de
trabalho excessivas. Acontece que a neurastenia era um termo guarda-chuva, usado para diagnosticar qualquer quadro de cansaço
ou tristeza, independentemente da origem do problema.
Mas o que sabemos hoje sobre o assunto é em grande parte fruto do trabalho de outra profissional, a psicóloga Christina
Maslach, da Universidade da Califórnia. “Burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de
trabalho que não foi gerenciado com sucesso”, define a CID-11. A descrição é curta e grossa, mas só dela já dá para tirar conclusões
importantes.
A primeira: burnout não é uma doença ou condição médica. É diferente, por exemplo, de um quadro de depressão, que pode
ser tratado via medicação e terapia. Trata-se de uma “síndrome”, ou seja, de um conjunto de sintomas.
A segunda: o burnout é um “fenômeno ocupacional”. Significa que o termo só se aplica a cenários ligados ao trabalho. Não
existe burnout, ao menos com essa denominação, em outras áreas da vida. Ele está sempre ligado ao ambiente de trabalho. É uma
condição ambiental. Para solucioná-la, não basta terapia e medicação.
A terceira: o burnout nada mais é do que um quadro de estresse, que, sem resolução por um longo período de tempo, tornou-se crônico. Para entender o que é burnout, então, é preciso compreender primeiro o que é estresse.
“O estresse é qualquer situação que requer uma adaptação, seja ela positiva ou negativa. Uma promoção no trabalho ou o
nascimento de um filho são situações que causam estresse, mas, em geral, são positivas. Uma demissão requer adaptação, e é
negativa”, explica Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR). Ou seja: o
estresse requer esforço para nos adaptarmos a novas condições do ambiente, sejam elas boas ou ruins.
Por isso o burnout não pode ser considerado uma doença. Trata-se de um quadro de estresse permanente. Se o ambiente
sempre exige que tenhamos que abrir mão de algo ou gastar energia para resolver algum impasse, ficamos inevitavelmente esgotados. Repita isso diariamente por seis meses, mais ou menos, e você terá um quadro crônico – o burnout.
(Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/carreira/. Fragmento.)