Acessibilidade (in)visível
Acessibilidade é uma daquelas palavras que pode parecer simples e direta: criar condições para que todos possam
participar da sociedade de forma plena e igualitária. Mas, na prática, é um desafio gigantesco no Brasil. Apesar de termos mais
de 18 milhões de pessoas com deficiência no país, e mais da metade serem negras, segundo o IBGE, os debates sobre
acessibilidade precisam ganhar mais espaço, especialmente enquanto as soluções reais continuam inacessíveis para muitos.
Esse é um debate, aliás, que deveria interessar a todos. Primeiramente, porque ninguém está livre de precisar de
dispositivos de acessibilidade em algum momento da vida. Nosso país está envelhecendo e, à medida que ganhamos idade,
nossa mobilidade, visão, audição e outras funções tendem a mudar. Em segundo lugar, aquilo que facilita a vida de pessoas
com deficiência também pode ser útil para o restante da sociedade. Quer um exemplo? O envio de mensagens de voz começou
como recurso de acessibilidade e virou parte da rotina de milhões de pessoas.
Dispositivos e estruturas acessíveis não beneficiam só uma parcela da população; tornam o mundo mais funcional para
todos. Imagine ruas, transportes e serviços públicos que considerem as necessidades de pessoas cegas ou surdas, cadeirantes,
idosos, pessoas com deficiências invisíveis. Não seria somente mais inclusivo, como mais eficiente e humano.
O problema é que, muitas vezes, o discurso não acompanha a prática. Rampas com inclinação errada, banheiros adaptados
em empresas onde ninguém com deficiência é contratado ou mesmo a ausência de recursos básicos como legendas em filmes
brasileiros, como apontou recentemente o influenciador Ivan Baron ao criticar a falta de closed caption na obra-prima “Ainda
estou aqui”. Esses problemas são apenas a ponta do iceberg de uma questão sistêmica.
E o que dizer dos preços de dispositivos de acessibilidade? Um elevador residencial ou uma cadeira de rodas motorizada
podem custar o equivalente a anos de salário para muitas famílias. O acesso ao apoio psicológico ou terapias especializadas,
especialmente para pessoas no espectro autista, é restrito e, muitas vezes, depende de planos de saúde caros.
Outro ponto que precisa de atenção é a visibilidade das deficiências invisíveis, como transtornos mentais, condições
neurológicas ou deficiências cognitivas, que frequentemente ficam fora do debate. Essa invisibilidade contribui para que o foco
esteja apenas nas adaptações físicas, deixando de lado outras necessidades igualmente importantes.
Há avanços significativos, mas ainda limitados. Uma boneca cadeirante, por exemplo, é um produto inspirador, mas
quantas lojas físicas e virtuais a tornam disponível de forma acessível? Não deveria ser apenas um item “instagramável” ou
usado para campanhas publicitárias que buscam prêmios de inovação. Deveria ser um produto comum, encontrado em
qualquer prateleira, porque a inclusão precisa estar na rotina.
Portanto, a acessibilidade precisa deixar de ser um tema isolado. Empresas, governos e sociedade como um todo têm a
ganhar ao priorizar essa pauta. Acessibilidade é incrível, mas precisa ser mais do que uma palavra bonita. Precisa ser acessível
na prática.
(Disponível em: https://oglobo.globo.com/ela/luana-genot/coluna/2024/acessibilidade-invisivel.ghtml. Acesso em: dezembro de 2024. Adaptado.)