Para que ninguém a quisesse
Porque os homens olhavam demais para a sua
mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e
parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a
atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os
decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos
armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as
jóias. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se
acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe
os longos cabelos.
Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas
vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva
como um gato, não mais atravessava praças. E evitava
sair. Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se
dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos,
mimetizada com os móveis e as sombras.
Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em
seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo
inflamado que tivera por ela.
Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte
de seda. À noite tirou do bolso uma rosa de cetim para
enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas
coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o
tecido em uma gaveta, esqueceu o batom. E continuou
andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa
desbotava sobre a cômoda.
Marina Colasanti
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