Leia o texto abaixo e responda a questão.
SOLIDARIEDADE
O gesto não precisa ser grandioso nem público, não
é necessário pertencer a uma ONG ou fazer uma
campanha. Sobretudo, convém não aparecer.
O gesto primeiro devia ser natural, e não decorrer de
nenhum lema ou imposição, nem convite nem sugestão
vinda de fora.
Assim devíamos ser habitualmente, e não somos,
ou geralmente não somos: cuidar do que está do nosso
lado. Cuidar não só na doença ou na pobreza, mas no
cotidiano, em que tantas vezes falta a delicadeza, a
gentileza, a compreensão; esquecidos os pequenos rituais
de respeito, de preservação do mistério, e igualmente da
superação das barreiras estéreis entre pessoas da mesma
casa, da família, das amizades mais próximas.
Dentro de casa, onde tudo deveria começar, onde
se deveria fazer todo dia o aprendizado do belo, do
generoso, do delicado, do respeitoso, do agradável e do
acolhedor, mal passamos, correndo, tangidos pelas
obrigações. Tão fácil atualmente desculpar-se com a
pressa: o trânsito, o patrão, o banco, a conta, a hora
extra... Tudo isso é real, tudo isso acontece e nos enreda
e nos paralisa.
Mas, por outro lado, se a gente parasse (mas
parar pra pensar pode ser tão ameaçador...) e fizesse um
pequeno cálculo, talvez metade ou boa parte desses
deveres aparecesse como supérfluo, frívolo, dispensável.
Uma hora a mais em casa não para se trancar no
quarto, mas para conviver. Não com obrigação, sermos
felizes com hora marcada e prazo pra terminar, mas
promover desde sempre a casa como o lugar do encontro,
não da passagem; a mesa como lugar do diálogo, não do
engolir quieto e apressado; o quarto como o lugar do
afeto, não do cansaço.
Pois se ainda não começamos a ser solidários
dentro de nós mesmos e dentro de nossa casa ou do
nosso círculo de amigos, como querer fazer campanhas,
como pretender desfraldar bandeiras, como desejar salvar
o mundo - se estamos perdidos no nosso cotidiano?
Como dizer a palavra certa se estamos mudos,
como escutar se estamos surdos, como abraçar se
estamos congelados?
Para mim, a solidariedade precisa ser antes de
tudo o aprendizado da humanidade pessoal.
Depois de sermos gente, podemos - e devemos -
sair dos muros e tentar melhorar o mundo. Que anda tão,
tão precisado.
Lya Luft