Antes de existir qualquer casa, cavou-se o
cemitério ao sopé da colina, na margem esquerda do rio.
As primeiras pedras serviram para marcar as covas rasas
nas quais foram enterrados os cadáveres no fim da
manhã, hora do meio-dia, quando finalmente o coronel
Elias Daltro apareceu cavalgando à frente de alguns
poucos capangas — quatro gatos pingados, os que
haviam permanecido na fazenda — e se deu conta da
extensão do desastre. Não ficara um cabra sequer para
contar a história.
O coronel contemplou os corpos
ensanguentados. Berilo morrera com o revólver na mão,
não tivera ensejo de atirar: a bala arrancara-lhe o tampo
da cabeça, o coronel desviou a vista. Compreendeu que
aquela carnificina significava o fim, já não tinha meios para
prosseguir. Trancou a aflição dentro do peito, não deu
mostras, não deixou que os demais percebessem. Elevou
a voz de comando, ditou ordens.
Apesar do temporal — chuva de açoite, nuvens
negras, trovões espoucando na mata —, alguns urubus,
atraídos pelo sangue e pelas vísceras expostas,
sobrevoaram os homens ocupados no transporte dos
corpos e na abertura das covas.
Depressa, antes que a fedentina aumente.
(Trecho retirado de AMADO, Jorge. Tocaia Grande: A face obscura. Rio
de Janeiro: Record, 1985)