Ainda ontem passei por lá; a manhã estava muito
clara, radiosa, dessas alegres manhãs de verão, quentes
de sol e de vida.
Havia no ar uma luminosidade surpreendente e o
zumbido dos insetos, o canto dos pássaros e o riso das
crianças enchiam o espaço; por toda a parte reinava a luz,
a alegria, o desejo de viver, de ser feliz, de ser bom. As
árvores pareciam paradas, quase imóveis; mas
observando bem, podia-se perceber um sussurro de brisa
entre as folhas como a contarem segredinhos umas às
outras, na transparência luminosa da manhã.
Passando pela Praça Buenos Aires, vi um grupo
de crianças brincando e correndo; seus gritos repercutiam
em meus ouvidos como ecos de coisas mortas,
remanescentes de um passado há muito tempo
desaparecido. Lembrei-me então do meu sonho; durante a
noite inteira eu havia sonhado que ainda morávamos lá e
meus filhos eram pequenos; no sonho ouvi chamarem
várias vezes: Mamãe! Mamãe!
Mal a claridade do dia passou através das
tabuinhas das venezianas, eu me vesti e saí; tomei o
bonde para passar na "nossa casa"; digo "nossa" por
hábito porque há muitos anos já que a deixamos e nem sei
quem mora lá. Desci do bonde umas quadras antes para passar a pé diante dela e vagarosamente fui subindo a
Avenida Angélica, tão familiar e amiga, onde residimos
durante tantos anos!
Esse quarteirão não mudou muito; um ou outro
prédio novo e por toda a parte as mesmas árvores e até,
pode-se dizer, os mesmos pássaros cantando em seus
galhos. Vi uma das árvores com um galho retorcido, tal e
qual a vi sempre. Diante da casa, parei um pouco para ver
melhor; lá estava ela com as duas janelas de frente e o
portãozinho de ferro, o jardim de quatro metros, como
chamávamos, e a trepadeira roxa plantada por Júlio há
tanto, tanto tempo.
(Trecho retirado de Éramos Seis, de Maria José Dupré. Disponível em:
http://projeto.camisetafeitadepet.com.br/imagens/banco_imagem_livros/5
04_livro_site.pdf)