Texto para a questão.
Hanseníase e as histórias de um Brasil que está na Idade
Média
Por André Biernath
(...)
Você sabia que o Brasil é um dos únicos países do
mundo que ainda registra casos de hanseníse? Nós só
ficamos atrás da Índia num inglório ranking mundial e
respondemos por 90% das ocorrências dela no
continente americano. Por ano, 27 mil indivíduos
recebem o diagnóstico por aqui. Roraima, Pará, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins são os estados
com as estatísticas mais graves.
A hanseníase é causada por uma bactéria chamada
Mycobacterium leprae, transmitida de um indivíduo para
outro por meio de gotículas de saliva, que entram pela
boca e pelo nariz. O micro-organismo se instala nos
nervos periféricos do corpo, bem próximo à pele, e fica
ali durante anos, sem dar sintomas. Ele demora muito
tempo para se reproduzir: a título de comparação, ele
leva 15 dias para dar origem a um novo bacilo, enquanto
a bactéria da tuberculose, por exemplo, se replica a cada
24 horas. Mas chega um momento em que sua presença
na região diminui a sensibilidade e desemboca em sérias
lesões.
Acontece que cerca de 90% das pessoas possuem
defesa natural contra o agente infeccioso. Mas há 10%
que estão vulneráveis a ele e podem vir a desenvolver o
problema. Outro dado que mostra a perplexidade do
quadro brasileiro: o diagnóstico da condição é fácil, feito
no consultório do médico, sem necessidade de exames
mais complexos. O tratamento, por sua vez, é simples e
consiste no uso de dois ou três antibióticos por alguns
meses. Depois desse tempo, a bactéria acaba extirpada
do organismo e a cura está garantida.
(...)
A dermatologista Letícia Maria Edit, de Porto Alegre,
publicou um artigo em que rememora episódios da
hanseníase no Brasil. Durante vários séculos, os
portadores da doença foram tratados com extremo
preconceito por aqui. Eles eram proibidos de comer,
dormir ou casar com pessoas saudáveis, não podiam
tocar em comidas nos mercados e nem entrar em
algumas cidades, como São Paulo. “Os filhos dos
leprosos não podiam ser batizados como as outras
crianças pelo risco de poluírem as águas da pia
batismal”, escreve.
No texto de Letícia, um episódio com hansenianos
brasileiros chama atenção pela similaridade com The
Walking Dead, série norte-americana de zumbis
produzida pelo canal de televisão AMC. Nos idos de 1800,
uma lenda dizia que o doente ficaria curado da doença se
fosse capaz de infectar outras sete pessoas. Na tentativa
de se livrar da encrenca, um grupo de leprosos resolveu
invadir uma cidade no norte do estado de São Paulo (não
se sabe qual município ao certo) e atacou os moradores,
que, assustados, responderam com armas e porretes.
Aqueles que conseguiram fugir saíram correndo por uma
estrada e encontraram uma criança, que foi agredida a
dentadas até sangrar.
Infelizmente, desse episódio bárbaro para os dias de hoje
o cenário pouco mudou. O preconceito é tão grande que
preferimos esquecer e ignorar a existência da doença e
dos indivíduos acometidos por ela. A troca de nome de
lepra para hanseníase parece ter mais confundido do que
ajudado a aplacar a intolerância.
(...)
Segundo o dermatologista Marco Andrey Cipriani,
presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, os
principais sintomas da condição:
“Nas formas iniciais, a hanseníase se manifesta por anos
através de dormências, cãibras e formigamentos em
áreas definidas do corpo. Esses sinais ficam mais
comuns nos meses frios do ano. Depois, surgem lesões
de pele esbranquiçadas e avermelhadas, ou nódulos
espalhados pelo corpo, na face e nas orelhas. Todas
essas lesões vêm acompanhadas de alterações de
sensibilidade. Um bom teste é tocar com a mão ou com
algum objeto no local machucado e, depois, numa região
próxima. Se você sentir diferença no tato, é
importantíssimo procurar o médico o quanto antes”.
FONTE: https://saude.abril.com.br/blog/tunel-do-tempo/hanseniase-e-as-historias-deum-brasil-que-esta-na-idade-media/ - com adaptações.