O PÔR DO SOL E A ORQUÍDEA
(com adaptações)
Rubem Alves
O sol estava se pondo. O pôr do sol a fez lembrar-se do
seu pai. E ela começou a falar. Ele estava mortalmente
enfermo e sabia disso. Ela abandonou o seu trabalho
para estar com ele. E conversavam sobre a partida que
se aproximava.
Tranquilamente. Aqueles que aceitam a chegada da
morte ficam tranquilos.
Disse-me que a hora que seu pai mais amava era o
crepúsculo.
Desde menina, ele se assentava com ela e ia mostrando a
beleza das nuvens incendiadas, a progressiva e rápida
sucessão das cores, azul, verde, amarelo, abóbora,
vermelho, roxo…
À medida que a morte se aproximava, a fraqueza
aumentava. Mas, mesmo fraco, queria ver o pôr do sol.
Talvez pela irmandade de um homem que morre e um sol
que se põe.
Numa dessas tardes, ela não conseguiu conter as
lágrimas. Chorou. Ele a abraçou e colocou seu dedo
sobre os seus lábios. “Não quero que você chore…”
E, apontando para o sol que se punha, disse: “Eu estarei
lá…”.
E contou-me também de uma orquídea que
silenciosamente acompanhou esses momentos de
despedida.
A orquídea, depois que seu pai partiu para o pôr do sol,
se recusou a parar de florir…
Será que o seu pai foi morar na orquídea? É possível…
Rubem Alves, no livro “Ostra feliz não faz pérola”. Editora Planeta, 2008.