Considere o seguinte trecho da reportagem de Camila Brandalise publicada no site
www.uol.com.br, em 15/10/2020, para responder a questão.
“Esfaqueou ex por ciúme e foi absolvido: como defesa da honra chegou ao STF.
Durante o relacionamento, ele a proibia de sair de casa, tinha rompantes de fúria e se mostrava
violento. O casal se separou, mas, uma semana depois, o homem ainda perseguia a ex-mulher.
Na noite de 25 de maio de 2016, foi atrás dela dentro da Igreja Evangélica Missão e Avivamento,
na cidade de Nova Era (MG). Puxou-a pelo braço e, no meio da conversa, viu uma mensagem no
celular da ex com a frase "te aguardo no mesmo lugar". Segundo ele, nesse momento, "bateu um
trem doido": com uma faca de serra — mais tarde, afirmou à polícia sempre andar com uma —,
deu três golpes na mulher, na cabeça e nas costas.
Essas informações fazem parte do depoimento do próprio agressor confesso. A mulher foi levada
para um hospital, passou por uma cirurgia e sobreviveu. Ele foi preso em flagrante. "Desferi três
facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela, sou trabalhador e não
posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas", afirmou, segundo uma
testemunha, ao ser levado pela polícia.
Em junho 2017, o réu, Vagner Rosário Modesto foi a júri popular. Os jurados abraçaram seu
argumento de que havia perdido a cabeça por causa do comportamento da mulher, agindo por
"legítima defesa da honra", e o absolveram por unanimidade. Ele foi solto na sequência. O caso é
público, assim como as decisões da Justiça. Não chegou a ter repercussão: no jornal local, um
texto breve explicando o que havia acontecido foi publicado no dia seguinte ao crime. Nesta
reportagem, o nome da vítima, que na época tinha 18 anos, foi suprimido para manter seu
anonimato. A legítima defesa da honra não existe legalmente. Surge nos embasamentos dos
advogados como uma variável da legítima defesa, esta, sim, prevista no Código Penal como a
situação em que entende-se não haver crime se a pessoa estiver se defendendo de uma
agressão, mesmo iminente, ou estiver defendendo alguém. A ideia desse argumento é abrandar a
pena ou mesmo livrar de punição o homem que cometeu o crime afirmando que o fez para
defender sua honra, manchada por causa de algum tipo de conduta da vítima, como uma traição.
Vem sendo criticada com veemência há, pelo menos, 40 anos, desde que uma mobilização
nacional de coletivos feministas pediu um novo julgamento do caso Doca Street, playboy que
matou Ângela Diniz em 1976 e afirmou ter cometido o crime porque ela o havia provocado,
seduzindo outros homens e mulheres mesmo durante o relacionamento. Em um primeiro
momento, Doca foi liberado do cumprimento da pena de dois anos de prisão. Em 1981, a pressão
surtiu efeito. Ele foi julgado novamente e condenado a 15 anos de prisão.
Após o resultado do júri absolver Modesto, o Ministério Público de Minas Gerais pediu um novo
julgamento. O Tribunal de Justiça do estado autorizou, assim como o STJ (Superior Tribunal de
Justiça). A defesa recorreu para que se mantivesse a decisão, e o caso foi levado ao STF
(Supremo Tribunal Federal). No último dia 29 de setembro, por três votos a dois, a primeira turma
do Supremo decidiu que não deveria haver novo julgamento, uma vez que o júri é soberano em
sua decisão. O ministro Alexandre de Moraes, um dos votos vencidos, afirmou que deveria haver
um segundo julgamento para que se imputasse uma sentença, e esse, então, poderia ser
considerado definitivo.
"Até décadas atrás, no Brasil, a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os
homens violentos que mataram suas namoradas e esposas, o que fez o país campeão de
feminicídio", disse. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos países que mais matam mulheres
no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
A Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) prepara um
documento questionando a decisão do STF. O processo dividiu juristas uma vez que a soberania
de um júri popular é garantida pela Constituição. Gerou, inclusive, discórdia entre os próprios
ministros.
Além de Moraes, o ministro Luís Roberto Barroso também foi a favor de um novo júri, dizendo que
chancelar a absolvição seria passar a mensagem "de que um homem, ao se sentir traído, pode
esfaquear a sua mulher, tentando matá-la em legítima defesa da honra ou seja lá em que tese se
possa definir. Não parece que no século 21 essa seja uma tese que possa se sustentar". Única
mulher entre os cinco ministros da primeira turma, Rosa Weber foi a favor da "norma
constitucional" e votou contra novo julgamento (...)
Fonte: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/10/15/esfaqueou-ex-por-ciume-e-foiabsolvido-como-defesa-da-honra-chegou-a-stf.htm