A TOMADA DA
LIBERDADE EM
TERMOS
GRAMATICAIS
(1º§) Na
correspondência dos
jesuítas eram
frequentes as
referências à
dificuldade que certos
padres tinham com a
gramática no seu
trabalho de catequese,
nas Missões.
Frequentes e obscuras:
não se sabia se a
dificuldade tão citada
era com a gramática
que os próprios padres
ensinavam ou se era
com a gramática dos
nativos. Até
descobrirem que
“gramática” era um
código para castidade.
(2º) Todos sabemos
que o problema de
alguns padres era definitivamente manter
seus votos de
abstinência em meio
aos índios. Ou no caso,
às índias.
(3º§) Conscientemente
ou não, o código foi
bem escolhido. Pecar
contra a castidade, se
aceitar que a correção
gramatical é uma norma
de boa conduta e as
regras da língua
equivalem a parâmetros
morais. Fala-se na
“pureza” do vernáculo e
na sua poluição, ou
violentação, vinda de
fora e de um jeito ou de
outro todo o vocabulário
da perdição da língua
(seu abastardamento,
sua vulgarização, sua
entrega a
estrangeirismos como
prostitutas do cais) tem
conotações sexuais.
(4º§) Tomar liberdade
com a língua é uma
atividade tão mal vista
pelos guardiões da sua
virtude como seria
tomar liberdade com
suas filhas. Que o povo
peque contra a
linguagem é aceitável,
para a moral gramatical,
já que ele vive na
promiscuidade mesmo.
(5º§) Mas pessoas
educadas, que
conhecem as regras,
dedicarem-se a
neologismos
exibicionistas, à
introdução de pronomes
em lugares impróprios e
ao uso de
academicismos para
fins antinaturais é visto
como devassidão
imperdoável. De
escritores profissionais,
principalmente, se
espera que se
mantenham carretos e castos a qualquer
custo.
(6º§) Mas vivemos com
relação à gramática
como viviam os jesuítas
com relação à
“gramática”,
esforçando-nos para
cumprir nossa missão –
que não deixa de ser
uma catequese, mesmo
que só se dê o exemplo
de como botar uma
palavra depois da outra
e viver disso com
alguma dignidade –
sem sucumbir às
tentações à nossa volta.
Também não
conseguimos. O
ambiente nos domina, a
libertinagem nos
chama, e pecamos o
tempo todo.
(7º§) Deve-se ter
cuidado com o estudo
da gramática normativa
da língua portuguesa,
pois seus preceitos são padronizados. Pense
nisso!
(8º§) Estude, valorize
sua língua pátria!
Imponha-se pela
correção dos seus atos
comunicativos e vá
tomando liberdade de
usar corretamente os
aspectos linguísticos
gramaticais da língua
oficial de sua pátria!
(...)
(VERÍSSIMO, Luís Fernando). - (Texto
adaptado)